Às vésperas da eleição presidencial, o Brasil chafurda numa profunda crise ética e moral refletida na apatia dos eleitores e no descrédito dos políticos. Com a desmoralização das legendas tradicionais, os dois pré-candidatos do Partido Independente (PI) despontam nas pesquisas com quase 50% da preferência popular. O escolhido na convenção partidária que se avizinha estará praticamente eleito para cumprir a promessa de colocar o país nos eixos.
A combinação dessa realidade palpável com a ficção costura a trama de Contra a Parede, filme que estreia na madrugada de sábado para domingo, na Globo, sem passar pelos cinemas.
O longa dirigido por Paulo Pons marca a estreia como produtor de cinema do ator Antonio Fagundes, que interpreta o personagem central, Cacá Viana, âncora do mais popular telejornal do país e amigo íntimo de Roberto Menezes (Marcos Caruso) e Igor Marin (Emílio de Mello), os dois políticos que vendem a ideia de um Brasil novo recorrente em tempos de eleição.
– Produzo teatro há 54 anos e sempre tive vontade de, além de atuar no cinema, também produzir filmes. É um primeiro passo, espero seguir por esse caminho. Mas produzir cinema no Brasil é complicado não tanto pela produção, mas pelo gargalo da exibição. Temos uma concorrência desleal com os filmes estrangeiros que vendem pipoca. Vemos filmes brasileiros bons e representativos sem espaço de exibição – diz Fagundes a ZH.
O ator destaca a "sorte" de ter conhecido Pons, autor do roteiro e seu parceiro na produção do longa. Destaca que o texto lhe atraiu por trazer afinidades com sua visão do país:
– A história do filme está acontecendo agora. Deixamos de fazer o debate público de ideias. As posições estão radicais demais. O filme propõe a retomada dessas discussões.
Veterano jornalista que fez fama como bom repórter, Viana é movido pelo rigor ético e profissional. Mas terá sua percepção de certo e errado embaralhada quando Menezes e Marin envolvem-se no atropelamento e morte de uma jovem. Ao se posicionar sobre o episódio, vê seu faro investigativo, seu compromisso com a verdade e sua lealdade aos amigos o colocaram à beira do abismo. O próprio apresentador é quem revê o drama no depoimento ao repórter (Caio Blat) que prepara um perfil seu para uma grande revista.
Sobre um projeto pensado para o cinema que faz sua estreia na TV aberta, Fagundes explica:
– Fizemos a produção em esquema de guerrilha, com recursos próprios. Filmamos em 20 dias cronometrando o processo de finalização para que o lançamento ocorresse nesse mesmo momento da vida real, a dois meses das eleições. A TV foi o caminho porque não podíamos esperar uma janela no circuito de cinema, sob o risco de perder o timing.
Contra a Parede será simultaneamente disponibilizado na plataforma Globoplay e, mais adiante, em outras plataformas, inclusive o cinema. Mesmo focado em um momento específico do Brasil, o filme, segundo Fagundes, reforça temas urgentes e atemporais, como o comportamento cotidiano que, como discursa Cacá Viana a seu entrevistador, minam as estruturas sociais: do gato da TV a cabo ao papel jogado no chão e o comportamento no trânsito:
– Vivemos essa contradição.
A pessoa desonesta nos pequenos hábitos cobra honestidade dos políticos. Imagino que essa pessoa desonesta, na hora de votar, vai escolher o candidato que a represente, outro desonesto. É um ciclo que se repete.
O Brasil não deixa nossa dramaturgia envelhecer.
> Contra a Parede (RBS TV, sábado para domingo, às 0h50min)