Um dos melhores filmes da safra 2017 do Festival Varilux de Cinema Francês é a mais nova colaboração de um casal que completa neste ano quatro décadas de parceria. A encantadora comédia Perdidos em Paris (2016), com sessão nesta terça, às 18h30min, no Guion Center, reúne novamente os atores e diretores Dominique Abel e Fiona Gordon, protagonistas de títulos como o delicioso Rumba (2008). O belga Abel e a canadense nascida na Austrália Fiona elegeram a capital francesa como cenário – e até personagem – do primeiro longa-metragem dirigido e escrito apenas pela dupla, sem a participação de Bruno Romy, que trabalha com os comediantes desde a estreia de ambos na tela com o curta La Poupée (1992).
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O par de clowns divide a cena em Perdidos em Paris com Emmanuelle Riva (1927 – 2017), grande estrela de filmes como Hiroshima Meu Amor (1959) e Amor (2012), em uma de suas últimas atuações no cinema.
Fiona interpreta uma bibliotecária de uma pequena cidade canadense que recebe uma carta aflita de sua tia Martha (Emmanuelle), octogenária que vive sozinha em Paris. A atrapalhada sobrinha voa então até a França para visitar a idosa, mas lá descobre que ela desapareceu. Em uma sucessão de desastres cômicos, Fiona conhece Dom, um sem-teto egoísta e sedutor que não vai largar do seu pé enquanto busca por Martha pela cidade.
Inspirados em mestres do humor físico das comédias mudas como Buster Keaton, Harold Lloyd, Max Linder, Charlie Chaplin e Jacques Tati, os palhaços lançam mão de seu característico humor gauche, calcado em piadas visuais que praticamente dispensam as falas – expediente responsável pela fácil comunicação que o trabalho de Dom e Fiona estabelece com plateias do mundo todo, tanto no cinema quanto no teatro. Um dos melhores momentos de Perdidos em Paris é um pas de deux entre Emmanuelle e o célebre ator Pierre Richard – que também participa do Festival Varilux com o filme Um Perfil para Dois (2017): ao som de uma antiga canção de Charles Trenet, a câmera mostra apenas os pés dos veteranos artistas sentados em um banco de cemitério, dançando uma coreografia galhofeira e absolutamente encantadora.
Em Perdidos em Paris, Abel & Gordon – como os simpáticos companheiros de arte e vida assinam seus filmes – ultrapassam a evocação nostálgica para fazer sorrir almas de qualquer época que sejam sensíveis ao humor poético.
Entrevista com os diretores e atores Dominique Abel e Fiona Gordon
Como as diferentes plateias têm reagido a Perdidos em Paris, que vocês têm apresentado pessoalmente até em países do Sudeste Asiático?
Dominique Abel – Muito bem! Os espectadores fazem a música de nosso filme com suas risadas.
Como surgiu a ideia do filme?
Fiona Gordon – Ele é diferente dos nossos filmes anteriores porque é o primeiro dirigido só por nós dois. Tivemos que voltar a nossas origens de clown. Paris foi o início de nossas carreiras, nós nos conhecemos lá, na escola de Jacques Lecoq (mestre francês da mímica). Paris é uma cidade grande boa para se perder.
Como vocês trabalham?
Abel – Nós decidimos tudo juntos. Primeiramente, buscamos uma história simples, que não precisa ser engraçada, mas sim tocante. Começamos então a escrever e, quando já temos umas 30 páginas, vamos a nosso estúdio na Bélgica e tentamos de tudo. Lá é que vemos se as ideias são boas para comédia física ou não. Às vezes, quando estamos testando, surgem novas ideias, porque nossos corpos podem ser mais inteligentes do que nossas cabeças. Voltamos então ao computador, e esse pingue-pongue entre escrever e testar as gags pode demorar até alguns anos. Na tela, pode até parecer improvisado, mas na verdade demanda muito trabalho.
Emmanuelle Riva estava desde o começo do projeto?
Gordon – De forma alguma! Normalmente, trabalhamos com amadores, mas queríamos para esse papel alguém que tivesse mais controle. Achamos uma atriz ótima na Alemanha, mas era complicado, porque ela não falava nem inglês nem francês. Como todos que se surpreenderam ao ver Emmanuelle Riva no nosso filme, jamais pensamos nela. Mas alguém então mostrou um vídeo que ela fez para o New York Times quando foi indicada ao Oscar por Amor. Emmanuelle aparece em seu apartamento fazendo coisas bobas, dançando, sonhando, alimentando os pombos e até mesmo vestindo uma capa de Super-Homem. Descobrimos então que ela tinha um lado de clown. Mandamos o roteiro para Emmanuelle, que gostou da história. Acabamos filmando no próprio apartamento dela. O curioso é que, no começo, o papel de Martha não era muito destacado no filme, era só um pretexto para juntar os dois clowns. Mas, à medida que fomos conhecendo Emmanuelle, o personagem foi crescendo para mostrar mais a maravilhosa personalidade dela.
Perdidos Em Paris
De Dominique Abel e Fiona Gordon.
Comédia, França, 2016, 83min.
Sessões terça-feira, às 18h30min, e sexta,às 14h30min, no Guion Center, e sábado, às 14h30min, no Espaço Itaú.