Em seus últimos anos de vida, Giacomo Casanova (1725 – 1798) se lançou a um ambicioso projeto: eternizar em livro as aventuras amorosas que o fizeram virar lenda nas cortes europeias do século 18. O libertino veneziano vivia então abrigado por um nobre da Boêmia, para quem fazia às vezes de bibliotecário. É esse decadente sedutor, já passando dos 70 anos, que o ator americano John Malkovich encarna em Variações de Casanova, filme de 2014 que agora chega ao circuito brasileiro – estreia em Porto Alegre nesta quinta-feira no Guion Center.
A proposta do diretor austríaco Michael Sturminger é inventiva. Embaralha o registro de época ficcional com uma encenação operística contemporânea da autobiografia de Casanova A História da Minha Vida, publicada parcialmente entre 1822 e 1825. Encenação essa que tem como palco o Teatro São Carlos, em Lisboa, com Malkovich e outros atores interagindo com grandes nomes do canto lírico internacional, como as sopranos Anna Prohaska, Miah Persson e Barbara Hannigan, o barítono Florian Boesch e o tenor Jonas Kaufmann. Com eles, os músicos da renomada Orchester Wiener Akademie executando, entre outras obras de Wolfgang Amadeus Mozart, contemporâneo de Casanova, trechos das óperas As Bodas de Fígaro, Don Giovanni e Cosi Fan Tutte, todas com libreto de Lorenzo da Ponte.
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Trata-se de uma transposição bastante livre em sua mise-en-scène, que incorpora no cenário elementos modernos, abre-se a improvisos humorísticos e coloca a ação também na plateia e nos camarotes do teatro. Na trama de época estritamente ficcional, acompanhamos Casanova um tanto resignado com a velhice e com o apagar do voraz desejo sexual que fez sua fama em leitos nobres e mundanos. É assim que o encontra a escritora alemã Elisa von der Reck (Veronica Ferres), apaixonada e desiludida ex-amante que ali chega interessada nos indiscretos relatos de alcova. Essa reaproximação e as peripécias amorosas narradas pelo protagonista ditam o ritmo da ópera bufa vista no presente, com o Casanova de Malkovich assistindo a sua versão mais jovem (Florian Boesch) cantando as proezas do mítico cafajeste – Miah Persson interpreta a jovem Elisa.
Malkovich é uma atração saborosa nessa criativa fusão de cinema, música e teatro. Como se viu no filme Quero Ser John Malkovich (1999), o ator sente-se à vontade brincando com sua persona pública. Vivendo ele mesmo, faz divagações sobre seu ofício – assim como Casanova com suas conquistas, ele despreza a monotonia nos trabalhos buscando sempre as tais "variações" – e tira sarro de situações que devem ser recorrentes em sua vida. Como na sequência em que, após um mal-entendido, uma médica vai parar da plateia na coxia e lhe confessa ter tido sua iniciação sexual após vê-lo em Ligações Perigosas (1988), longa no qual também viveu um sedutor inveterado. Ou quando uma outra lhe pergunta se ele é gay, "como dizem", ou ainda diante dos pedidos de fotos com admiradores ou da comparação da ópera farsesca em que atua como o musical Mamma Mia!, cotejando maliciosamente Mozart e Abba. Em cada uma dessas situações, a reação desse grande grande ator é impagável.
Variações de Casanova
De Michael Sturminger. Drama musical, França/Áustria/Portugal/Alemanha, 2014, 118min. Estreia nesta quinta-feira no Guion Center (sessões às 14h10min, 16h20min e 20h40min).