Melhor filme de 2016 segundo o César, o principal prêmio do cinema francês, Fatima conta a história de uma imigrante de origem árabe na França que trabalha como doméstica e enfrenta dificuldades em seu cotidiano por não falar a língua do país adotado. A protagonista luta para sustentar e comunicar-se com as filhas: uma adolescente rebelde e uma jovem que acaba de entrar na faculdade de medicina. Zero Hora conversou com o diretor do comovente drama em cartaz na Capital na Sala Paulo Amorim – o realizador Philippe Faucon, francês nascido em Marrocos.
Como você escolheu as atrizes?
A personagem principal é uma mulher de origem magrebina que veio para a França sem falar bem o francês. Não há atriz na França para interpretar uma personagem como aquela. Era preciso uma intérprete não profissional. Ao mesmo tempo, o papel não é simples e não é acessível a qualquer pessoa. Então, tivemos que procurar muito tempo até encontrar Soria Zeroual, que em sua vida pessoal e profissional tem muitos pontos em comum com a personagem: ela veio para a França sem falar francês, durante muito tempo ficou como uma pessoa "muda", privada da palavra em sua vida de trabalho. Ela teve a mesma dificuldade de comunicação com seus filhos nascidos na França. Soria tinha também um domínio de seus meios, uma disciplina, uma sensibilidade e qualidades de atriz que eram ignorados. Para as garotas foi menos complicado, porque hoje se encontra na França agências com meninas e meninos de minorias, o que não era o caso há mais de 20 anos quando, por exemplo, eu rodei um filme como Samia, em 1999.
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Como você vê a questão dos imigrantes atualmente na Europa, em particular os de origem muçulmana, com relação ao avanço da extrema direita em países como a França?
Há certamente um clima geral na França e na Europa – crise, inquietudes, um contexto ligado aos atentados – que abastece as ideias de fechamento e de crispação de uma parte da população. E que, portanto, arriscam tornar as coisas ainda mais complicadas para os jovens de origem imigrante em termos como o acesso ao trabalho. Quanto ao crescimento da extrema direita na França, tenho a impressão de que, se ela está certamente progredindo, no entanto ainda desperta uma rejeição muito mais forte do que a atração que possa exercer.
Fatima ganhou o César de melhor filme e, aos poucos, temos visto mais produções francesas escritas, realizadas e/ou atuadas por imigrantes ou descendentes deles. O cinema na França é um ambiente tolerante e acolhedor para esses artistas?
De uma maneira geral, a França é sem dúvida um país mais privilegiado do que outros, pela razão de que o cinema – e em particular o cinema dito "de autor" – é apoiado. E atualmente, com efeito, uma geração nova de criadores ou atores vindos das migrações mais recentes encontra lugar e se impõe no cinema francês. Mas não se faz mais do que recuperar um atraso e uma anomalia que durou muito tempo.
Fatima lembra em certos aspectos Que Horas Ela Volta?, filme brasileiro de sucesso que foi exibido na França. Você conhece esse filme? Em caso positivo, identifica também proximidades entre as duas produções?
Sim, vi Que Horas Ela Volta? assim que saiu na França, acho que em 2015, e me lembro de ter me surpreendido com essa proximidade entre os temas da mãe empregada doméstica e da filha engajada em estudos superiores que não são habitualmente acessíveis a alguém de sua origem social. Mas as duas personagens de mães são bastante diferentes e, por meio delas, os dois filmes não fazem o mesmo caminho para constatar as divisões sociais existentes nas duas sociedades que eles evocam. Em Que Horas Ela Volta?, a filha censura na mãe o que para ela é uma atitude de submissão a seus empregadores burgueses. Em Fatima, a filha alcança de uma maneira obstinada – e mesmo um pouco rígida, trancada em seu quarto com seus estudos – uma emancipação social que não foi permitida a sua mãe.
FATIMA
De Philippe Faucon
Drama, França, 2015, 79min.
Estreia na Sala Paulo Amorim, diariamente, às 15h30min.