Ainda que a comédia não seja um gênero exatamente associado pelo nosso público ao cinema da Alemanha – a escassez desse tipo de filme na programação local reforça essa impressão –, alguns dos maiores comediógrafos das telas tiveram origem germânica, como o alemão Ernst Lubitsch (1892 – 1947) e o austríaco Billy Wilder (1906 – 2002).
O mais novo expoente dessa subestimada linhagem é Toni Erdmann (2016), produção austro-alemã que chega ao Oscar como favorita na categoria de filme estrangeiro depois de ter arrebatado dezenas de prêmios internacionais, inclusive o da crítica no Festival de Cannes – finalista também ao Globo de Ouro, perdeu o troféu para o igualmente ótimo Elle (2016). Terceiro longa da diretora, roteirista e produtora Maren Ade, Toni Erdmann é uma característica comédia alemã agridoce, que provoca tanto o riso quanto a reflexão, filiando-se a uma tradição de crítica social de teor satírico exercitada por cineastas como Rainer Werner Fassbinder em títulos do tipo O Amor É Mais Frio que a Morte (1969) e A Terceira Geração (1979) e Doris Dörrie em Homens (1985).
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Toni Erdmann acompanha a truncada tentativa de reaproximação de um pai com a filha, advogada consumida por um cotidiano estressante e competitivo. No filme, estreia desta semana em Porto Alegre, o bem-humorado Winfried (Peter Simonischek) é um sujeito grandalhão que gosta de bancar o engraçadinho e leva uma vida solitária e pacata com seu cachorro no interior da Alemanha. Ao visitar na casa da ex-mulher a filha que está de passagem pela cidade, o personagem percebe a tensão emocional e a instabilidade profissional de Ines – vivida por Sandra Hüller, atriz de Requiem (2006) e Movimento Browniano (2010).
Winfried decide então fazer uma surpresa visitando-a em Bucareste, onde ela trabalha para uma grande empresa multinacional. Depois de testemunhar os apertos pelos quais Ines passa lidando com os tubarões executivos e seus gananciosos interesses corporativos, o pai decide ajudar a garota – mas do seu jeito torto: coloca uma peruca rídicula, uma dentadura postiça que leva sempre no bolso e passa a se apresentar como o tal Toni Erdmann do título, afirmando ser treinador de liderança do chefe da firma. As aparições de Winfried/Toni são bizarramente ultrajantes, envergonhando Ines e constrangendo colegas, superiores e clientes. Aos poucos, porém, a cara de pau e a insistência do protagonista levam a jovem ambiciosa a questionar sua vida e seus objetivos.
Com perguntas como "Você está feliz?", o pai distante acaba desarmando a filha confusa, estabelecendo um canal de comunicação que, mesmo intermitente, pode talvez recuperar a conexão afetiva perdida entre os dois.
Hollywood vai refilmar a história com Jack Nicholson
Vencedor do European Film Awards nas categorias de melhor filme, diretor, roteiro, ator e atriz, Toni Erdmann vai ganhar versão hollywoodiana: foi anunciada nesta semana a refilmagem da trama, que será estrelada por Jack Nicholson – em seu primeiro papel desde Como Você Sabe (2010) – e pela comediante Kristen Wiig. É difícil acreditar que o remake consiga replicar o registro ao mesmo tempo risível e melancólico do original alemão: cada cena de Toni Erdmann é cuidadosamente construída para que o espectador sinta na mesma medida o desconforto de Ines com a presença invasiva de Winfried e a tristeza do pai que constata a brutalização da filha, focada apenas no sucesso na carreira e indiferente à dura realidade romena ao redor.
A precisão do roteiro e da direção encontra eco nas atuações exatas de Peter Simonischek e, especialmente, Sandra Hüller, capazes de imprimir verossimilhança a essa comédia que às vezes beira o absurdo e poderia tornar-se excruciante em suas quase três horas de duração.
Toni Erdmann
De Maren Ade
Comédia dramática, Alemanha/Áustria, 2016, 162min. Em cartaz nos cinemas
Cotação: 4/5
Em cartaz no Guion e no Espaço Itaú
Os outros indicados a melhor longa estrangeiro:
- O APARTAMENTO (Irã) – Vencedor do Oscar de filme estrangeiro e do Urso de Ouro do Festival de Berlim com A Separação (2011), o diretor Asghar Farhadi está de novo no páreo pela mais cobiçada estatueta do cinema internacional com mais um poderoso drama conjugal. Desta vez, um jovem casal de atores confronta-se com dilemas morais e com a crise no relacionamento depois que a mulher é agredida dentro do novo apartamento por um desconhecido. Em cartaz na Capital
- TANNA (Austrália) – Narrado em tom de conto ancestral, esse belo filme é interpretado por aborígenes da ilha de Vanuatu e se inspira em uma história real sobre uma jovem que ignora seu casamento arranjado para fugir com o amante, desencadeando uma guerra entre tribos. Sem estreia prevista
- TERRA DE MINAS (Dinamarca) – Em maio de 1945, dias depois da rendição da Alemanha na II Guerra Mundial, um grupo de prisioneiros alemães é levado à Dinamarca e forçado a desarmar dezenas de milhares de minas terrestres colocadas na costa do país pelos nazistas. Sem estreia prevista
- UM HOMEM CHAMADO OVE (Suécia) – Um senhor mal-humorado que leva uma vida totalmente amargurada está à beira do suicídio quando novos vizinhos se mudam para a casa da frente e uma amizade inesperada irá surgir. Estreia no Brasil no próximo dia 16