Cobra-se, mais a crítica do que o público que tanto as aprecia, que as comédias nacionais busquem um estofo mais consistente do que repetir fórmulas e elencos dos humorísticos de TV. Em cartaz nos cinemas, Um namorado para minha mulher experimenta um caminho para tentar superar o impasse entre a busca do apelo popular sem a contrapartida da indigência artística. Adapta para as cores brasileiras um grande sucesso do cinema argentino, Um namorado para minha esposa (2008), de Juan Taratuto, a partir do roteiro de Pablo Solarz que já ganhou versões também na Itália e no México.
À frente desse bom remake brasileiro está Ingrid Guimarães, atriz presente nos grandes sucessos de bilheteria do cinema nacional, que assina a adaptação com Lusa Silvestre e a diretora Julia Rezende. E Ingrid está acompanhada por atores do primeiro time: Caco Ciocler e Domingos Montagner.
Um namorado para minha mulher mostra Ingrid como a amarga Nena, casada com o apático Chico (Ciocler). Este sente-se sufocado pelo constante mau humor da mulher. Quer se separar, mas, frouxo que é, não tem coragem. Recebe a dica de procurar Corvo (Montagner), um sedutor profissional, para que um possível enrosco de Nena com o garanhão a faça pular fora do casamento.
O protagonismo de Ingrid atenua o DNA machista do roteiro original. Em meio à armação, Nena se lança como uma youtuber de sucesso falando com sua acidez crítica de temas como o inferno dos grupos do WhatsApp e os estereótipos de beleza e comportamento impostos às mulheres com mais de 40 anos. É um avanço em relação ao filme argentino, que não é lá essas maravilhas, diga-se. Pena que a pegada de empoderamento feminino cristalizada na magnética presença de Ingrid não tenha subvertido também o chocho desfecho do longa hermano.
Um namorado para minha mulher é um interessante avanço em relação ao que as comédias nacionais populares têm apresentado. Mas cabe destacar que a brincadeira final, nos créditos, em que Nena fala sobre essas modernas chanchadas estreladas por atores da TV "que o povo adora", com referências à própria Ingrid e a colegas como Paulo Gustavo, Leandro Hassum e Fábio Porchat, pode ser duplo sentido: pode ser vista como uma inteligente autocrítica ou uma recaída na piada sem graça.