Aos 13 anos, a vida de David Schurmann era bem diferente do esperado para um garoto de sua idade. A bordo de um barco que percorria o mundo, com sua família, sem televisão, tinha duas formas de entretenimento ao seu alcance: ler e ir ao cinema, nos mais diversos países. A paixão pela imagem em movimento fez com que ganhasse uma câmera de oito milímetros e começasse, ainda pré-adolescente, a registrar as viagens e fazer curtas-metragens. O que começou como brincadeira virou trabalho sério, e hoje, com 42 anos e o filme Pequeno segredo na manga, David se prepara para representar o Brasil na maior competição cinematográfica do mundo: o Oscar.
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Depois de estudar cinema na Nova Zelândia e trabalhar por lá como diretor de um programa de TV voltado ao público jovem, intitulado In focus, David voltou ao Brasil para planejar a segunda volta ao mundo da família Schurmann. Sob as lentes de David, a viagem foi transmitida pelo Fantástico e, posteriormente, se tornou o documentário O mundo em duas voltas. Antes de Pequeno segredo, que é baseado na história de sua irmã adotiva Kat, portadora do vírus HIV, seu único longa ficcional havia sido o documentário falso de terror Desaparecidos (2011).
A equipe de Pequeno segredo vem de vários lugares, foi algo que você buscou ou aconteceu naturalmente?
A equipe é 99% brasileira, mas vem de mais de dez Estados. Foi algo natural, até pela história do filme, que se passa em Florianópolis, Belém e na Nova Zelândia, o que faz com que ele seja mais aberto ao mundo. A ideia era descentralizar mesmo. Acho que o cinema tem esse dever de envolver pessoas diferentes. E foi uma troca incrível. Nós temos três gringos na produção: a diretora de arte Brigitte Broch, que já venceu um Oscar com Moulin Rouge, e os atores Erroll Shand e Fionnula Flanagan (que atuou em Transamérica, filme que também teve indicações no Oscar).
Brigitte não estava prevista. Eu estava trabalhando há quase dois anos com o Tiago Marques (diretor de arte de Tropa de elite 2) no filme. Quatro meses antes de começarmos as filmagens, ele me liga em prantos, dizendo que o José Padilha teve um problema em uma série e que tinha chamado ele para ajudar. A série era Narcos. Deixei o Tiago ir, claro, e fui atrás de outro diretor de arte. Não sabia se a Brigitte ia aceitar por causa do orçamento, mas enviamos o roteiro. Ela chorou. Disse: "o orçamento do departamento de arte no último filme que eu fiz é o orçamento de vocês inteiro, mas eu vou fazer caber. Essa história merece ser contada".
Quando e como veio a ideia de fazer o Pequeno Segredo?
Eu sempre quis contar essa história. É uma história absurda, de amor, de preconceito, de bullying. Meus pais não queriam porque era algo muito íntimo, tinham medo que as pessoas achassem que era marketing em cima da Kat. Também não queriam criar mais preconceito com ela, que os amigos não quisessem mais chegar perto pela doença. Então, isso se manteve na família como nosso pequeno segredo. Até que ela faleceu, de uma forma muito rápida. Foi uma surpresa para nós, porque ela já tinha superado as expectativas de vida e os remédios iam ficando melhores. Foi o momento mais devastador da nossa família, muito difícil, principalmente para a minha mãe. Ela contou para um psiquiatra que escrevia para lidar com a dor, e ele sugeriu que ela colocasse essa história para fora. Depois de um ano, li alguns manuscritos e convenci minha mãe de que isso tinha que ser contado para o mundo, que esse era o tipo de história que inspirava as pessoas. Quando ela topou e resolveu publicar o livro, eu disse que queria fazer o filme, mas em formato de ficção. O filme não é baseado no livro. São duas histórias que brotam do mesmo lugar, mas contadas de forma muito diferente.
Além do foco, qual a diferença de fazer esse longa de ficção e os vídeos documentais que passavam no Fantástico? Quais foram os desafios?
A grande diferença é o tempo. Pequeno segredo foi feito em oito semanas. Não se tem um tempo tão curto para fazer documentário. Outro desafio foi dirigir atores. Venho trabalhando isso há muito tempo, fiz muitos cursos. Mas acho que a vivência no documentário deixa a gente muito humano, nós aprendemos a lidar com pessoas. Ele te prepara para qualquer coisa, você nunca sabe para onde ele vai, acata o que tem. Na ficção, você tem o roteiro, então sonha o que é e faz aquilo que foi sonhado.
Tentei escrever o roteiro com outros quatro amigos e não deu certo. Escrevemos 17 versões e ficou uma porcaria. Depois outra roteirista fez três versões e quase chegou lá, mas ainda não era o que eu imaginava. O roteirista final (Marcos Bernstein) foi absolutamente brilhante.
Muitas pessoas estão criticando a escolha de Pequeno segredo ter sido o escolhido para representar o Brasil em uma vaga no Oscar, sem ter visto o filme, por toda a polêmica em torno de Aquarius. O que você tem a dizer a eles?
Houve um bombardeio desleal, disseram que era o filme do golpe. Gente, que filme do golpe? Anos atrás nem existia essa discussão. É um filme lindo, tocante, delicado. Não é uma votação popular. O filme foi escolhido por uma comissão, com pessoas da área de cinema, que assistiram a todos os trabalhos e votaram. Então, o comitê escolheu, pronto. Eu assisti a Aquarius em Cannes e aplaudi o Kleber e a Sonia de pé. Acho o filme maravilhoso, a cara de Cannes e de vários festivais, mais focados em filme-arte, mas acredito que o nosso conversa muito bem com o Oscar. Então, primeiro assistam ao filme, antes de falar. Entendam porque a escolha foi feita, deem uma chance para ele e apoiem para que possamos fazer bonito lá fora.
Qual o trabalho agora? O Oscar exige que o filme estreie em seu país de origem até 30 de setembro, em salas comerciais, em pelo menos sete dias. Como vai ser esse lançamento?
Agora estamos conversando com grandes produtores da indústria brasileira que já estiveram nesse caminho para montar estratégia internacional, porque o comitê do Oscar precisa assistir ao filme. Na próxima semana, vamos fazer um lançamento nacional restrito, em algumas cidades, que é o que se chama "Oscar run", porque é importante cumprirmos as regras. Em novembro, vamos ampliar a distribuição para o Brasil inteiro e para a América Latina. Estamos negociando de ir para França e Estados Unidos também.