Em cartaz nos cinemas, Porta dos Fundos – Contrato vitalício narra a história de um cineasta (Gregorio Duvivier) que reaparece após 10 anos sumido dizendo ter sido abduzido por ETs. E quer filmar essa história, cooptando um amigo ator (Fábio Porchat) com quem assinou um contrato vitalício de trabalho em uma noite de bebedeira.
Dirigido por Ian SBF e roteirizado por Porchat e Gabriel Esteves, o filme levou 186 mil pessoas a 541 salas do país nos quatro primeiros dias de exibição. Em conversa com jornalistas, o diretor, os roteiristas e parte do elenco não quiseram fazer previsões sobre a bilheteria final do longa. Foi o único tema evitado por eles. Confira trechos do bate-papo.
Vocês estão acostumados a fazer vídeos de dois ou três minutos. Como foi construir o arco dos personagens em um longa de cem minutos?
Luis Lobianco – Acho que a gente aprendeu fazendo. O roteiro era bem completo, mas também fomos criando o ambiente para desenvolvê-los no set, conforme íamos trabalhando juntos.
Marcos Veras – A gente encontra gente parecida com esses personagens do filme. E situações também. Há exageros, sim, mas aquilo ali é baseado em algo que existe. Então a vida real foi – e é – um laboratório para a gente.
Gregorio Duvivier – Um aspecto legal do trabalho do (roteirista Gabriel) Esteves é que ele aguenta todos os nossos pitacos. Nem todos os roteiristas lidam bem com 12 pessoas intervindo no seu texto. A gente sempre trabalha dessa forma, e neste longa também foi assim.
Gabriel Esteves – O roteiro teve sete tratamentos. E isso em nove meses. Ou seja, foi tudo bem rápido. Nossa dinâmica é assim: todos dão opinião, isso é incorporado ou não, mas se resolve logo. Achamos as soluções e seguimos.
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A ideia do filme foi do diretor, Ian SBF, e de Fábio Porchat, ator que também assina o roteiro. Mas, como se trata do primeiro longa do grupo, vocês não pensaram nesse projeto em conjunto, como um cartão de visitas de todo o grupo para o cinema?
Antonio Tabet – Quando pensamos em um primeiro longa, imaginamos uma série de esquetes. Tínhamos Relatos selvagens (2014) na cabeça. Foi justamente porque queríamos algo diferente dos vídeos da internet, mais longo e com personagens mais desenvolvidos, que pensamos em uma história única. Aí veio esse argumento do Ian e do Fábio, e decidimos trabalhar nele.
Existe, ou pode existir, uma montagem das cenas do “filme dentro do filme”, ou seja, da trama sobre extraterrestres que os personagens encenam dentro de "Contrato vitalício"?
Ian SBF – Pensamos nisso, sim. Lá pelas tantas, no meio das filmagens, cheguei a pensar: o que eu gostaria mesmo era de fazer esse filme aqui, assumidamente trash, quanto pior, melhor. Cogitamos fazer um curta com isso – quem sabe como extra do DVD?
O personagem do Tabet é o mais sério e introspectivo. Tem uma comicidade diferente da dos demais. Foi difícil alcançá-la nesse contexto?
Tabet – Você sabe que as pessoas param a gente na rua e dizem: “Parabéns pelo seu trabalho, você é o melhor do Porta”. Todos nós ouvimos isso direto, é curioso. No meu caso, é comum alguém dizer que gosta da minha comicidade quando estou sério. Aproveitei para usar isso nesse personagem. A ideia é mostrar um sujeito macabro mesmo, que tenha um humor negro, pesado.
Há um grupo de transexuais no filme. Vocês costumam falar de minorias nos trabalhos que realizam. Como é conviver com a linha cada vez mais tênue entre o humor politicamente correto e o incorreto?
Duvivier – Sempre discutimos se podemos estar sendo preconceituosos sem nos dar conta. Nossa preocupação, como grupo, é não fazer piada velha. Por razões, digamos, sociais e também de humor, mesmo – não tem nada mais sem graça do que uma bobagem transfóbica, ou machista, ou racista. Acho muito bom que certas piadas preconceituosas que antigamente motivavam risos hoje gerem constrangimento. Não acho que se deva criminalizar uma piada, mas problematizá-la é algo necessário. E estamos fazendo isso. Que bom.
Fábio Porchat – O mundo está mudando para melhor, nesse sentido. “Ah, está tudo muito chato, não pode fazer piada de nada”, muitos dizem. Chato? Para você que é branco de classe média. Para todas as outras pessoas, está melhor. O preconceito violenta muita gente, mata pessoas ao redor do mundo, temos de pôr a mão na consciência, sim.
Tabet – Há o politicamente incorreto do bem e do mal. Apostamos no primeiro. Pensamos na ideia do opressor e do oprimido. Expor o segundo é ruim, já o primeiro pode não ser tanto assim.
O Porta dos Fundos às vezes também fica no limite do chamado bom gosto. Em "Contrato vitalício", há um banho de mangueira com dejetos, um pênis gigante no meio da sala... Essa é uma questão para vocês?
Porchat – Nós temos um vídeo sobre peido, falamos muitos palavrões, não temos remorso quanto a isso, não. Não temos preconceito com nenhum tipo de humor. Não pensamos assim: “Hoje vamos fazer humor inteligente”. Não. Achamos que torta na cara pode ter graça. Estamos abertos, gostamos de Chaplin à Escolinha do professor Raimundo. Acho que está na essência do grupo esse trânsito sem preconceito entre os mais diferentes estilos cômicos. Debatemos muito uma ideia antes de executá-la, mas no início da criação a gente procura não ter tantas amarras.
O humor do Porta dos Fundos com frequência é político. Estamos em um momento de crise no país, mas o filme do grupo não é nada posicionado. Por que essa opção?
Duvivier – Acho bom o fato de o filme ser pouco posicionado, fazer um humor que não é partidário. Foi a (cartunista) Laerte que falou, certa vez, se não me engano: uma guerra não é feita só de armas; também é preciso alimentar os soldados nas trincheiras, e isso o humor pode fazer. Mesmo o humor que é apenas entretenimento, que faz as pessoas “saírem da realidade” por duas horas, é capaz de ajudá-las na luta diária – o que é algo político.
A indústria do entretenimento é o foco geral das piadas: revistas de fofoca, vloggers, celebridades e seus assessores... Por que esse nicho?
Porchat – Esse mundo do entretenimento é o nosso mundo. Sabemos que ele gera comédia. Foi natural: construímos situações e figuras a partir do que observamos, exagerando aqui ou ali para dar esse ar de comédia bem escrachada que o filme tem.
Duvivier – É curioso que aqui no Brasil não façamos muito esse tipo de humor no cinema: nos EUA, é muito comum ver filmes que achincalham personagens reais desse universo. De maneira bem pesada, inclusive.
SBF – A gente cresceu tendo como referência esse humor escrachado sobre a realidade. E me incomoda um pouco que no Brasil haja tanto pudor em se falar sobre o real. Temos medo de fazer muita coisa aqui. O tempo todo alguém fala: “Vocês não podem dizer o nome do fulano, ele vai processá-los”; “Não mostrem esse rótulo, isso dá processo”. É muito medo. Por que tirar o rótulo do Guaraná e escrever “guaraná” na garrafa? Aquela garrafa faz parte da nossa vida, não precisamos temer tanto.
*Viajou a convite da distribuidora Downtown