
Com quatro longas-metragens no currículo, Roberto Gervitz especializou-se em adaptações literárias: depois da estreia com o antológico documentário Braços Cruzados, Máquinas Paradas (1979) – codirigido com Sergio Toledo –, o cineasta de 58 anos levou para as telas obras do brasileiro Marcelo Rubens Paiva (Feliz Ano Velho, em 1987) e do argentino Julio Cortázar (Jogo Subterrâneo, de 2005). Em Prova de Coragem, versão do romance Mãos de Cavalo, do escritor Daniel Galera, o realizador acredita que continua na mesma senda desses títulos anteriores:
– Nos meus filmes, sempre trato do amadurecimento do homem.
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O que mais lhe chamou a atenção na história de Mãos de Cavalo?
Quando li o livro, fiquei impressionado com aquele personagem que está em uma busca, mas que não é consciente. Em um primeiro momento, como em outros personagens do Daniel Galera, há um movimento que parece uma fuga. Depois, você descobre que ele está em uma espécie de busca, mas não convencional. São buscas tortas, de certa maneira. Desconfiei desse desejo dele de fazer essa escalada. Acho bacana descobrir que o personagem parece querer uma coisa, mas na verdade está atrás de outra, que ele nem sabe o que é.
Você mudou a estrutura do original, além de alterar características e personagens.
O livro é um grande flashback: um homem dentro de um carro indo buscar um amigo com quem vai fazer uma escalada e cujas lembranças no trajeto vão iluminando essa viagem que ele pretende fazer. A adolescência ali tinha uma grande importância, e eu já tinha abordado esse período em Feliz Ano Velho e não tinha vontade voltar a ele. Não foi assim que li o livro. Fiz uma leitura do adulto, ele é que me interessava. Prestei muita atenção na relação com a mulher, com a filha, que no livro virou uma gravidez. Vi aquele casal como muito expressivo do momento que a gente está vivendo, em que existe uma incapacidade grande de compartilhar qualquer projeto juntos. É um casal muito pouco generoso, formado por dois grandes individualistas. Também tem a questão do homem que se nega a crescer, que parece condenado a ser jovem pelo resto da vida. De certa forma, Hermano vive o dilema de muitos homens contemporâneos: o medo de assumir a paternidade e a vontade de se lançar no mundo, em grandes desafios. É uma história de crescimento.
Por que você mudou o nome do filme?
Quando eu acabei o filme, vi que Mãos de Cavalo não expressava algumas das questões que estavam ali. Não era um nome que trazia narrativamente o que estava em jogo no filme. Mãos de Cavalo é o apelido do Hermano na adolescência e inspira uma certa brutalidade que não reflete absolutamente o que é o personagem, a não ser com ele mesmo. Tanto é que tem uma frase no filme, dita pela Naiara: "Você não é bruto, você só é cavalo consigo mesmo". Esse nome surgiu de uma sessão que eu fiz e na qual algumas pessoas disseram: "Pô, mas esse cara é um covarde!". Daí, eu falei que o personagem era um homem que tem medos, mas que tem também coragem, que o filme discutia onde está a coragem. Resolvi então colocar um nome provocativo, que instigasse o espectador a se questionar qual é a coragem do personagem.
Fale um pouco sobre Monica Schmiedt, produtora do filme, que morreu no final de março.
Conheci a Monica desde O Mentiroso (filme de 1988 produzido pela gaúcha), estávamos no Festival de Havana no mesmo ano, eu com Feliz Ano Velho. Depois, nos reencontramos em Extremo Sul (documentário de 2004 dirigido por Monica e por Sylvestre Campe), que eu quase dirigi, ajudei em muita coisa. Ficou uma relação muito forte. Coincidentemente, quando fui procurar com o Daniel Galera os direitos do livro, fiquei sabendo que estavam com ela e já desenvolvendo um filme com outras pessoas. Depois de alguns anos, ela me ligou e me convidou para dirigir. Neste momento, sinto que está faltando um pedaço da minha vida. Jamais imaginei que viria a Porto Alegre lançar o filme sem ela. Compartilhamos coisas boas e ruins. A Monica era uma mulher guerreira, admirável, que vai fazer falta no cinema gaúcho.