São falsos os textos que circulam pelo WhatsApp e os posts em redes sociais segundo os quais o prêmio Nobel de Medicina Tasuku Honjo teria afirmado que o novo coronavírus não é natural. O próprio Honjo desmentiu as alegações atribuídas a ele e, além disso, pesquisas científicas confirmaram que o vírus causador da covid-19 não foi desenvolvido em laboratório.
Por que checamos esse conteúdo?
A verificação deste texto foi solicitada por leitores que enviaram os pedidos via WhatsApp. O monitoramento das redes sociais realizado pelo Comprova detectou que este conteúdo vem circulando há alguns dias em diversos idiomas, em uma aparente tentativa organizada de criar desinformação a respeito da pandemia de covid-19.
Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Como verificamos
Para verificar este conteúdo, o Comprova buscou estudos científicos a respeito da origem do novo coronavírus e também a posição oficial do pesquisador Tasuku Honjo e da Universidade de Kyoto, onde ele trabalha.
O coronavírus que causa a covid-19 é artificial?
Especulações a respeito da origem do novo coronavírus acompanham a pandemia desde o seu início e se tornaram campo fértil para desinformação.
No texto que circula com afirmações falsas atribuídas a Tasuku Honjo, a argumentação é de que o novo coronavírus teria sido criado em um laboratório de Wuhan, cidade na província chinesa de Hubei que foi a primeira com infecções provocadas por este vírus. O texto afirma, ainda, que Honjo trabalharia há quatro anos no “laboratório Wuhan na China.”
Uma visita à biografia de Honjo no site da Universidade de Kyoto mostra que em toda sua carreira ele trabalhou apenas nos Estados Unidos e no Japão, onde atua seguidamente desde 1974. Honjo trabalha na mesma universidade desde 1984 e, desde 2018, é o vice diretor-geral do Instituto de Estudo Avançado da instituição. Em 2018, ele foi um dos vencedores do Nobel de Medicina ou Fisiologia pela descoberta ligada ao combate do câncer por meio da imunoterapia, estratégia que busca aumentar a função do sistema imunológico.
Em 27 de abril, a Universidade de Kyoto emitiu uma nota oficial em nome de Honjo, na qual ele lamenta que seu nome tenha sido usado “para espalhar falsas acusações e desinformação”. O médico destaca que, no momento atual, “quando todas as nossas energias são necessárias para tratar os doentes, impedir a propagação do sofrimento e planejar um novo começo, a transmissão de alegações infundadas sobre as origens da doença é perigosamente perturbadora”.
Mais importante, não há nenhum indício de que o novo coronavírus seja artificial ou tenha sido fabricado.
Um estudo publicado em 17 de março pelo conceituado periódico médico Nature Medicine analisou o genoma do vírus SARS-CoV-2, que provoca a covid-19, e concluiu “claramente que o SARS-CoV-2 não é uma construção de laboratório ou um vírus propositadamente manipulado.”
Segundo os pesquisadores, as características genéticas do vírus, o sétimo coronavírus a infectar seres humanos, indicam que ele é fruto de seleção natural, ocorrida em um animal ou em uma pessoa.
O texto compartilhado nas redes sociais afirma ainda que o fato de o SARS-CoV-2 ter sido transmitido para países de climas diferentes é um indício da artificialidade do vírus. O Comprova não encontrou referências ou estudos que embasassem essa hipótese.
Uma análise inicial de cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), do final de março, apontou que a maioria das transmissões do novo coronavírus se deu em temperaturas mais baixas, entre 3°C e 17°C. Isso não quer dizer, no entanto, que a contaminação não ocorra em países de clima mais quente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o vírus pode ser transmitido em todas as áreas.
Contexto
O texto com conteúdo falso atribuído ao médico japonês circula em um momento de elevada tensão nas relações entre os Estados Unidos e a China a respeito de responsabilidades sobre a pandemia de covid-19.
Agências de inteligência norte-americanas estão, atualmente, analisando a possibilidade de o vírus não ter começado a circular em um mercado de alimentos em Wuhan, mas sim em um laboratório da cidade que pesquisa diversos tipos de coronavírus.
A suspeita tem como base observações feitas por diplomatas dos Estados Unidos em 2018. De acordo com a coluna do jornalista Josh Rogin, do jornal The Washington Post, há dois anos diplomatas alertaram sobre a precariedade dos níveis de segurança de pesquisas com coronavírus de morcego realizadas no Instituto de Virologia de Wuhan.
O instituto busca ativamente novos tipos de coronavírus na natureza, especialmente em cavernas de morcegos nas províncias ao sul da China, desde que a Ásia foi afetada pela epidemia de SARS, também provocada por um coronavírus, em 2003. O objetivo é que a pesquisa ajude o país a se antecipar a novas infecções.
À revista Scientific American, a diretora do Instituto de Virologia de Wuhan, Shi Zhengli, negou que o novo coronavírus tenha relação com os estudos dirigidos por ela. Segundo a pesquisadora, seu laboratório verificou as sequências genéticas dos vírus circulando na China e nenhuma delas coincidia com a dos vírus que sua equipe havia obtido das amostras coletadas em morcegos. “Isso realmente tirou um peso da minha mente”, disse ela. “Eu não dormi nada por dias”, afirmou.
Alcance
No Facebook, o Comprova encontrou 76 posts com o texto falso sobre Tasuku Honjo, que somaram 5.091 interações (curtidas, comentários e likes) desde o dia 26 de abril. A medição foi feita por meio da ferramenta CrowdTangle. A reportagem falou com a autora da publicação mais antiga em português. Ela disse ter recebido o texto de um amigo e, depois de ter sido avisada que o conteúdo era falso, apagou o post.
O tweet em português que mais circulou e foi encontrado pelo Comprova teve mais de 700 interações entre sua publicação, em 27 de abril, e a publicação desta verificação.
As agências AFP e Aos Fatos, o jornal Observador (Portugal) e o site Factly (Índia) também checaram este conteúdo.
Projeto Comprova
Em expediente especial, a nova fase da coalizão do Projeto Comprova, composta por 24 veículos de comunicação brasileiros irá se dedicar a monitorar redes sociais e aplicativos de mensagens em busca de informações duvidosas sobre o coronavírus. O objetivo da iniciativa é expandir a disseminação das informações verdadeiras. Fazem parte da coalizão do Comprova veículos impressos, de rádio, de TV e digitais de grande alcance. Este conteúdo foi investigado por Estadão e verificado por AFP, SBT e UOL.
É possível enviar sugestões de conteúdos duvidosos e que podem ser verificados por meio do site e por WhatsApp (11 97795-0022). GaúchaZH publicará conteúdos checados pela iniciativa. O Comprova tem patrocínio de Google News Initiative (GNI), Facebook Journalism Project, First Draft News e WhatsApp e apoio da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). A coordenação é da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).