''Você vai entrar no vulcão?". Em qualquer outro país, a pergunta seria antecedida de um "Pelo amor de Deus, homem!" e seguida de inúmeras questões e pontos de interrogação. Mas, na Islândia, ela virou corriqueira no final de junho, quando estreou o tour Por dentro do Vulcão.
O nome pode soar como tema de um brinquedo de parque de diversões, mas é, na verdade, uma descrição literal da visita à câmara adormecida do Thrihnukagigur, um pico vulcânico nos arredores da capital, Reykjavik.
Pela primeira vez, visitantes corajosos podem escalar por cima do aro e descer rumo ao abismo que um dia esteve em chamas. Faz mais de 4 mil anos que o Thrihnukagigur entrou em atividade pela última vez, e, como toda erupção, foi tremendamente violenta - mas não cataclísmica a ponto de destruir a câmara e a montanha inteira.
Em vez disso, a grande pressão geológica parece ter ventilado pelos túneis e artérias nas profundezas da terra, preservando a nova câmara aberta e criando o que o explorador de cavernas Árni Stefánsson descreve como um "colapso primitivo".
Em 1974, Stefánsson foi a primeira pessoa a entrar no vulcão, e a ideia de abrir a montanha a turistas foi dele. O progresso tem sido vagaroso, mas ele diz que é necessário um equilíbrio entre abrir o submundo e proteger a "mais importante caverna vulcânica no mundo".
Existem alguns outros vulcões acessíveis - a notável Furna do Enxofre nos Açores, por exemplo -, mas nenhum tão completo ou tão profundo. Essa combinação, somada ao enfoque na preservação, é o que torna a montanha e o tour únicos.
Confira uma galeria de fotos do vulcão
Se o tour ao vulcão for um sucesso, é possível que eventualmente - e cuidadosamente - um túnel seja agregado a ele e plataformas sejam instaladas em seu interior. Por enquanto, apenas conquistar o vulcão já requer uma grandes esforços. É preciso enfrentar uma caminhada de três quilômetros sobre campos vulcânicos instáveis, passando por túneis de gás, fissuras e pequenos cones esculpidos por forças vulcânicas logo abaixo da superfície, com o Thrihnukagigur, ou Três Picos, surgindo no horizonte.
Previsões apocalípticas
Quando o Eyjafjallajokull (a 150 quilômetros de distância) entrou em erupção em 2010, suas nuvens de cinzas causaram uma imensa inconveniência a passageiros aéreos no mundo todo. Mais isso é insignificante se comparado com alguns incidentes registrados na Islândia no passado. Stefánsson, meu guia, descreve a erupção de 1783 em Laki, uma montanha no sul da ilha, como "imensa", ainda que "apocalíptica" talvez fosse um termo mais preciso.
Ele fala sobre esses eventos como se algo como Laki pudesse acontecer novamente, a qualquer momento, especialmente quando a Islândia está prestes a entrar em um período de atividade vulcânica constante que ocorre uma vez a cada milênio.
- Mas isso não é inevitável, é? - eu pergunto, enquanto nos aproximamos do Thrihnukagigur.
Stefánsson para, olha para mim como se eu tivesse insultado sua mãe e diz:
- Com certeza. Isso certamente irá acontecer. Não é algo que quero escutar quando estou a ponto de entrar no vulcão. Ainda que seja relativamente calmo, Stefánsson explica que dentro de Thrihnukagigur há também um risco real de terremotos, que poderiam facilmente deslocar rochas e esmagar visitantes.
- Então será o terremoto que irá nos pegar, e não outra erupção - digo, esperançoso.
- Ah não, não - responde. - Ele pode entrar em erupção também, com toda certeza.
Para se sentir pequeno
A conversa apocalíptica ocorreu logo antes de escalarmos uma plataforma raquítica, pronta para ser baixada 120 metros em direção à garganta do vulcão. Eu não consigo parar de desejar que meu guia fosse um pouco menos sincero. Quando Stefánsson desceu, aos 25 anos, estava sozinho, em uma corda, girando no escuro e usando um capacete de motocicleta como proteção.
As coisas mudaram muito em 38 anos, mas mesmo agora o processo não é fácil. A plataforma é equipada com pneus que ajudam na passagem por um trecho particularmente estreito a 20 metros da superfície. Conforme a luz natural desaparece, a quantidade de água que escoa pelas rochas porosas aumenta. A plataforma vai descendo, até que alcança o chão rochoso.
- Na primeira vez que cheguei lá embaixo, fiquei muito desapontado. Não era nada além de uma pedreira. Eu vim procurando por beleza, mas só encontrei feiura - confessa.
Stefánsson não voltou ao local por 17 anos. Quando finalmente retornou - com melhor iluminação e mais tempo -, foi tomado por uma sensação de profunda admiração. Ele agora fala sobre a câmara com um tipo de temor filosófico:
- Vir aqui é uma chance de sentir a própria pequenez, enfrentar seus próprios medos. Eu quero que as pessoas venham aqui e se sintam modestas.
Para mim, ficar dentro do vulcão é uma experiência estranhamente emocional. Primeiro, há a inverossimilhança absoluta da situação - de estar sobre um terreno de inimaginável violência geológica. Uma vez que isso passa, há a oportunidade de aproveitar a impressionante arena subterrânea.
A cúpula da rocha foi escaldada e carbonizada, rasgada e rompida; os gases, pressões e temperaturas extremas deixaram uma mistura de marcas amarelas, vermelhas e pretas. É como o desenho de uma criança retratando o inferno.
Mas lá dentro não há um aumento de temperatura como esperado, nem qualquer cheiro de enxofre. Há, no entanto, um silêncio que cria um senso de tranquilidade e, sim, nos faz sentir pequenos.
Como ir
Localizado a apenas 20 quilômetros de Reykjavik, o Thrihnukagigur fica a uma hora de distância do principal aeroporto da capital. Os tours estarão disponíveis até 31 de julho, mas o período poderá ser estendido. O custo é de 37 mil coroas islandesas (R$ 605), incluindo equipamento (www.insidethevolcano.com).
Os visitantes devem ter mais de 12 anos e um preparo físico razoável. O tour leva cinco horas, incluindo a uma hora dentro do vulcão. Existem planos para tornar a experiência mais leve, então vá ainda este ano para ter uma melhor sensação de exploração.