Pouco antes de a família Chaves pegar a estrada rumo ao Litoral Norte para aproveitar o feriadão de Carnaval, o tablet do filho mais velho, Leonardo, sete anos, pifou. Inicialmente, o pai, Rafael, pensou em levar para o conserto, mas reconsiderou: para que tablet na praia?
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Ainda na estrada, o smartphone do menino ficou sem bateria. Quando chegaram à praia, em Xangri-lá, Rafael já ia plugando o carregador na tomada quando recuou. Precisava mesmo deixar o menino disponível para ligações durante férias que a família passaria unida? Guardou o carregador na mala.
- A gente se deixa levar pela tecnologia, mas precisa saber quando ela é desnecessária - diz o empresário de 39 anos.
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A surpresa é que Leonardo e o irmão Miguel, de um ano e meio, mal deram falta da aparelhagem. A brincadeira na areia, o jogo de bola, a companhia aos pais na pescaria e, é claro, o banho de mar ocupam a dupla de tal forma que até a televisão, com seus intermináveis desenhos animados, foi deixada de lado.
- Estamos tendo as férias como tínhamos quando eu era pequeno - diz o pai, todo orgulhoso.
A quebra de rotina e o distanciamento de compromissos durante as férias pode ser uma rara oportunidade para se desligar dos tentáculos eletrônicos cada vez mais presentes no dia a dia. Donos de uma rede de farmácias em Esperança do Sul, no noroeste do Estado, Rafael e a mulher, Raquel, também tentam se ver livres dos celulares, mas admitem que nem sempre conseguem.
- Evitamos entrar em redes sociais, ficar compartilhando fotos nas férias. Mas dos e-mails e das notícias ainda não conseguimos escapar - diz Rafael, que, mesmo tendo adiantando trabalho antes de sair em férias, ainda precisa, eventualmente, resolver imprevistos que dependem de e-mail.
Nas férias offline, celular só para ligações rápidas
O celular pode ser soberano nos escritórios, nos restaurantes, em jogos de futebol ou em shows - mas parece que, durante a viagem, o esforço para deixá-lo de lado é maior. Há quem consiga romper circuitos com a tecnologia tão logo saia da Estrada do Mar, deslizar o dedo sobre o "Desligar" e manter essa condição boa parte do dia.
- O celular fica desligado a maior parte do tempo. Só uso para telefonar ou ver a previsão do tempo. E depois desligo de novo - diz a bancária Fernanda Gracioli, veranista de Capão - Também passo longe da TV e nem trago o notebook. Assim, o descanso da mente é completo.
Como o marido de vez em quando joga tênis enquanto ela curte a praia, Fernanda deixa o aparelho ligado na bolsa para ser avisada a que horas se encontram. Mas é só.
- Para mim, as redes sociais, WhatsApp e outros aplicativos ficam de lado nas férias. Até por que, o 3G na praia é muito ruim, e isso acabaria me estressando ainda mais - explica.
Na praia, Fernanda deixa o celular na bolsa | Foto: Carlos Macedo
Na tarefa do desapego, veranistas substituem a tecnologia por outros passatempos. Para a professora Clair Tunico, é a oportunidade para colocar a leitura em dia. Em uma temporada de um mês em Torres, ela devorou quatro livros que há tempos vinha namorando - um a cada semana. A preferência é por romances policiais. Ela leva sua cadeira até os pontos mais isolados da praia e mergulha em uma leitura que consome 40 páginas por vez.
- Em Caxias do Sul, com toda correria de trabalho, casa e distração de internet e TV, eu leio apenas um por mês, isso quando dá tempo - diz.
Na tentativa de se desconectar - de tecnologias e do tumulto do litoral -, muitos buscam o mato como refúgio. Mesmo que seja bem próximo à praia. Depois de 30 anos veraneando em Tramandaí na casa da família, Fábio Kuhn descobriu nos chalés de uma pousada em meio à natureza de Maquiné seu novo espaço favorito de descanso. Desde 2014, não pisa na areia da praia - e nem sente falta.
- A gente chega na praia e é fila nos supermercados, em restaurantes, correria atrás das crianças para não irem no fundo do mar. Não tem descanso - explica o comerciante de 47 anos - Por aqui, nem sinal de celular tem. É uma maravilha.
Fábio e a mulher, Michele Ajami, aproveitam as férias para se afastar de internet e a TV, e sentem tanto prazer em ficar na rede batendo papo e petiscando quanto vendo as filhas Wanessa e Andressa, gêmeas de 12 anos, pescarem, brincarem na piscina, tomarem banho de cachoeira, surpreenderem-se com lagartos e fazerem as trilhas.
- Quando dá vontade de ver algum movimento, vamos até Capão da Canoa, que é pertinho, comemos uma casquinha e vemos uma loja. Mas logo nos cansamos do tumulto e voltamos.
A busca pelo sossego e o retorno a uma vida mais simples é uma experiência que leva cada vez mais clientes ao Refúgio Verde, pousada frequentada por Fábio e família. Conforme o gerente William Espíndola, a ocupação dos oito chalés durante o verão tem sido total:
- Fica claro que alguns pais vêm para cá para se afastarem do tumulto e mostrar aos filhos que férias no litoral podem ter uma experiência mais relaxante, sem trânsito e nem disputa de espaço na areia.
É o caso do terapeuta Jorge Knak, que vê nas férias em meio à natureza uma oportunidade de ensinar os filhos que nem tudo na vida é tecnologia e consumo. Há tardes em que Luan, seis anos, pesca, leva os peixes para que sejam limpos e ainda come-os no jantar.
- Às vezes, as praias mais movimentadas nos levam a reproduzir os mesmos hábitos da cidade grande. E uma mudança de ares mostra que há outras formas de aproveitar - diz Jorge.