Por Júlio Conte, diretor de teatro
Adolescente, o psicanalista, dramaturgo e diretor de teatro Júlio Conte não encontrava lugar melhor para aprender a dirigir que Rainha do Mar, mesmo que isso pudesse causar algum problema com as autoridades - contornado pelo pai.
Anderson Ramos Monteiro e Ieda Kepler acertaram que o menino da foto da página 33 da Zero Hora de quinta-feira era Júlio Conte
Já existia autoescola, mas não havia lugar melhor para aprender a dirigir do que o litoral. Em uma praia pequena como Rainha do Mar, mais ainda. Meia dúzia de casas que se aglutinavam em duas partes. Um aglomerado em torno da Colônia de Férias do Banrisul. Outro lá longe, ao lado do riacho. Mais ou menos uns 150 metros.
Em dia de bandeira amarela, juntava em cada lado uma multidão de umas 60 pessoas, aproximadamente. Praia cheia. Ali na beira da praia, o tempo era medido pelos centímetros que crescíamos e pelas aquisições de habilidades. À tarde, a praia tirava uma sesta.
Era nessa hora que as chaves do Chevrolet 51 do pai eram surrupiadas. Carinhosamente apelidado por meu irmão mais velho de Chaparral, o carro era um tanque. Mas foi parado, dentro da garagem, que aprendi a dirigir. O Chaparral era hidramático. Dois pedais, acelerador e freio, e letras indicando as marchas.
O fato é que um dia, brincando na garagem, quebrei o câmbio automático, e o pai teve de substituir por uma caixa normal com embreagem, três marchas e pedais que eu finalmente alcançava. Numa manhã de bandeira vermelha, meu pai foi de carro para a beira da praia. Estacionou, como era hábito na época, na areia, um pouco afastado da "multidão".
A beira-mar, ampla e vazia, era o lugar perfeito para desenvolver a habilidade de atrair o olhar da meninas. Pedi para dar uma voltinha de carro. Surpresa, ele deixou. Dirigi o carro até Noiva do Mar várias vezes e, a cada volta, arriscava mais o acelerador. Era bom ver a areia saltando nos rodopios do Chaparral. Respirava a liberdade da nova descoberta.
Finalmente, eu sabia dirigir fora da garagem. Foi quando um guardinha abordou o carro. Gelei. Ele se aproximou. Meu pai, vendo a situação, pensou rápido. Correu até o carro e, antes de qualquer ação, começou a gritar:
- Onde já se viu! Como é que vai pegando o carro assim, moleque!
Eu retruquei:
- Mas, pai, o senhor deixou.
Então, ele sussurrou:
- Não fala nada e vai para casa!
Para o guardinha, meu pai ainda fez um discurso, não sabia onde o mundo ia parar, que hoje em dia é assim, não dava para deixar a chave na ignição, essa gurizada é fogo. O guardinha concordou sem ação, enquanto eu corria para casa.
O episódio rendeu muitas risadas, e eu demorei para entender a esperteza de meu pai. Um homem de pensamento aguçado e reações rápidas. O mesmo velho sábio que hoje luta com todas suas forças para seguir vivo, no leito 211 do Moinhos de Vento.
Sabe quem é a pessoa à direita na foto? Clique e dê seu palpite! A resposta será publicada na ZH de sábado.
Houve uma vez um verão
"Era bom ver a areia saltando nos rodopios do Chaparral"
Dramaturgo Júlio Conte relata como seu pai o livrou de um grande problema no trânsito de Rainha do Mar
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