O levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Sul (Sebrae RS) aponta que em torno de 600 mil micro e pequenas empresas foram afetadas diretamente ou indiretamente pelas enchentes que atingiram o Estado no último mês – o número considera, também, o entorno, estradas, acessos, aeroporto e turismo.
Didi Doces, empresa comandada por Mirian Beatriz de Oliveira, faz parte desta estatística. Moradora do bairro Campina, em São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, a doceira de 55 anos, dos quais cerca de 20 são nesta profissão, viu sua vida ficar submersa de uma hora para outra. Sua casa, onde morava com seu marido e sua mãe, também era seu ambiente de trabalho. O local ficou tomado pela água lamacenta por mais de 20 dias, situação que ela garante jamais ter imaginado acontecer antes da catástrofe. Sem ter dimensão do que estava prestes a vivenciar, ela relata:
– Nunca entrou água lá. Levantamos todas as coisas e pensamos: “Não, nem pensar que isso vai entrar (a água). Fechamos tudo e saímos – conta, sem nem imaginar, na ocasião, que seria a última vez que veria sua casa “do jeitinho que batalhou para ter”.
O refúgio dela e de sua família foi a casa dos sogros de seu único filho, que já não morava mais com a família, em Dois Irmãos. Poucos dias depois de ficar na primeira acolhida, se mudaram para uma residência em Campo Bom disponibilizada e mobiliada por amigos do casal. É sob esse teto que ela reside hoje e, infelizmente, não sabe mensurar até quando.
Mão talentosa
Mesmo em um lar provisório e sem seus aparatos essenciais para desenvolver seu ofício, afinal, perdeu quase todas as coisas, Mirian não deixou de lado a paixão por sua profissão. A pausa forçada em casa deu espaço para que as recentes lembranças e a realidade assombrassem grande parte de seu dia.
Para dar um jeito nisso, pediu, então, para que seu marido fosse até o supermercado e comprasse, com o dinheiro que havia recebido de uma doação, uma panela, uma espátula de silicone e leite condensado. A rotina costumeira, até então distante, começou a ganhar forma. E o recomeço estava a um passo de se tornar realidade.
– Estava cansada de ficar parada. Pensei: “Eu vou fazer docinho e mostrar que estou trabalhando”. Desistir não é a solução de nada – afirma.
Não demorou muito para começar a colher os frutos da semente plantada com sua força de vontade.
Ajuda diversa
“Elas gostam dos meus doces mesmo”, foi o que Mirian pensou ao ver a mobilização solidária feita por suas clientes após tomarem conhecimento de sua situação.
– Pediram meu Pix para que elas pudessem divulgar e fazer doações para mim – diz.
Ela conta que sua cozinha antiga era completa, com potes de vidro, micro-ondas, fogão, fornos e todos os outros apetrechos indispensáveis para a fabricação dos doces. Tudo isso foi perdido na catástrofe climática que assolou o RS no ultimo mês. As únicas coisas que conseguiu salvar foram as prateleiras de inox, utilizadas para guardar eletrodomésticos etc.
Minha casa morreu, mas minha vontade e meu amor pelo trabalho e família, não. Quando a gente desiste, aceitamos essa morte. Eu não quero isso. Quero viver ainda.
MIRIAN BEATRIZ DE OLIVEIRA
– Tive que colocar tudo fora. Não tenho como assar um bolo em um forno que está fedendo a lama e ao cheiro que a água tem – relata.
Aos poucos e conforme as doações chegavam, Mirian começou a aceitar encomendas. Contou, inclusive, que sua última produção foi de mil doces, feitos apenas pelo seu talentoso par de mãos.
– Uma me enviou potes, outra me mandou uma panela que mexe o brigadeiro sozinha, e assim foi indo… Eu não sei como é que eu vou pagar elas na minha vida – conta, em lágrimas.
A partir de todas as doações, ela garante que tem tudo o que precisa para poder trabalhar tranquila. O que está “faltando” são os moldes para fazer os docinhos mais detalhados, porém, já adiantou que uma colega de profissão do Rio de Janeiro irá lhe enviar.
Incerteza sobre o retorno ao lar
O sonho da casa própria, que se tornou realidade para Mirian, é substituído, agora, pelo desejo de retorno a ela. A profissional conta com a ajuda dos familiares e amigos para fazer a limpeza e retirada dos móveis do local.
Ao detalhar sobre como era a residência, que foi palco de muitas histórias da família Oliveira, ela diz, com carinho, das louças que colecionava, dos enfeites natalinos que comprou sempre que o mês de dezembro se aproximou e das plantas que cultivava em diversos cômodos.
– Hoje não existe mais nada, a água acabou com tudo. Algumas louças estou tentando recuperar, coloquei mergulhadas na clorofina. O restante, se foi – conta.
O desejo é de voltar, mas ela não sabe ao certo qual vai ser o destino de sua família.
– Vender não vai valer a pena porque vai desvalorizar muito. E para retornar será necessário uma espécie de inspeção na estrutura da casa, porque no momento que a água entrou, levantou a geladeira até o teto – conta.
Contato
\\\ Encomendas podem ser feitas por meio do telefone (51) 98548-2448 ou pela conta do Instagram @dididoces.