Enquanto amamentava a filha Alana, de dois meses, Natiane Barbosa Ferreira, 35 anos, lembrava dos planos que havia feito para este domingo (12). Mãe de outros cinco filhos, ela iria passar o Dia das Mães em casa, cercada pelas crias, degustando um almoço especial.
É isso que costuma fazer todos os anos. Neste, porém, a tradição foi impedida pela enchente que devastou Porto Alegre e outras regiões do Estado. Desde o dia 4 de maio, quando viu a água tomar conta da sua residência no bairro Navegantes, na Capital, a dona de casa está morando no abrigo montado no Sesc Protásio Alves com o esposo, parte dos filhos e uma neta. O local acolhe 250 pessoas.
GZH visitou o espaço e ouviu relatos de Natiene e outras mulheres que, assim como ela, passam o Dia das Mães longe de suas casas, buscando encontrar forças para não sucumbir à dureza do que vêm enfrentando.
— Não está sendo nada fácil, toda hora eu fico pensando no que aconteceu. Hoje, mais ainda. É um Dia das Mães totalmente diferente do que eu imaginei para mim — desabafou Natiene, emocionada.
— Desde que eu perdi a minha mãe, nenhum Dia das Mães foi como era antes, mas acho que esse será o pior de toda a minha vida. Estou tentando pensar que, pelo menos, estamos com saúde. Perdi tudo, mas o que importa é meus filhos estarem bem.
Sentimento parecido é descrito por Joyce Cristina dos Santos Nunes, 27 anos, moradora do bairro Humaitá. A autônoma também precisou deixar sua casa no último fim de semana, quando foi encaminhada para o abrigo do Sesc. Ela está no local com a filha mais nova, Kauana Luysa, de apenas um mês.
Mãe socorreu a filha da enchente em uma banheira
Quando elas precisaram sair de casa em busca de um local seguro, a água batia quase no pescoço. Joyce não hesitou e colocou a filha dentro de uma banheira infantil e assim seguiu conduzindo-a sobre a água até encontrar ajuda.
— Essa banheirinha eu vou guardar. Quero mostrar para ela no futuro, para saber que passou por tudo isso. É a minha guerreira.
Joyce temia que a permanência no abrigo fosse prejudicial para Kauana, que sofre com sopro no coração e, por isso, deve evitar agitações. Mas a pequena parece compreender a situação atípica que está vivenciando: têm passado os dias de maneira tranquila, quase sempre dentro do carrinho conquistado por doação; à noite, dorme sem fazer serão. Joyce diz não ter do que reclamar. Está satisfeita com o acolhimento recebido no abrigo, onde, segundo ela, "todos são tratados com muito carinho e atenção".
O único lamento da dona de casa é estar separada dos outros dois filhos, que moram com o pai em uma zona da cidade que não foi atingida pela cheia. Joyce não poderá passar o Dia das Mães ao lado deles, como faz todos os anos, mas procura pensar que "isso é o de menos".
— O importante, agora, é saber que todos estão bem — concluiu.
Prima de Joyce, Karolina Luysa Nunes Fernandes, 23 anos, está no mesmo abrigo com o filho Bernardo, de cinco. Ela foi morar no Humaitá há cerca de dois meses. Quando viu a água atingir o segundo andar da casa onde recém iniciava uma vida nova, não acreditou no que estava acontecendo. Foi resgatada de jet ski e levada para o abrigo do Sesc. Era ali que Bernardo corria de uma ponta a outra na manhã deste domingo.
— Esse aí não para um minuto. Tenho que estar sempre correndo atrás dele (risos) — divertiu-se Karolina, tentando colocar uma meia e um casaco no filho, que ansiava por brincar com as outras crianças.
— Ele é um foguete, mas é muito carinhoso. No Dia das Mães do ano passado, me acordou com café na cama e tudo. Nem sei como conseguiu fazer (risos). Esse ano não teve o café do Bernardo, mas está sendo bom.
Mãe e filha são voluntárias em abrigo
Para Adriana Camargo, 51 anos, o Dia das Mães de 2024 está sendo diferente de tudo o que já viveu — e poderia imaginar viver — na data. Ela, que trabalha como secretária no sistema Fecomércio, precisou deixar sua residência no Quarto Distrito na segunda-feira (6) para se hospedou no hotel do Sesc Protásio Alves, cedido pela instituição para abrigar funcionários afetados pelas enchentes. Ela está passando o Dia das Mães como voluntária do abrigo montado no ginásio da unidade ao lado da filha Eduarda Camargo, 18 anos.
Enquanto Adriana trabalha na triagem e separação de roupas recebidas por doações, Eduarda atua no entretenimento das crianças. As duas dizem estar realizadas com a possibilidade de prestar apoio a outras pessoas neste momento que, também para elas, é de dificuldade.
— Quando dizemos para as pessoas que também tivemos que sair de casa, parece que o acolhimento é mútuo. É um apoio também para a gente, pois esse trabalho é o que está nos ajudando a ocupar o tempo. Foi um filme de terror o que passamos, mas poder estar aqui agora com a minha filha, nós duas bem, fazendo esse trabalho, é algo que não tem preço — disse Adriana.
— Só de estar com a minha mãe, está ótimo — acrescentou Eduarda.
Na tentativa de tornar o Dia das Mães mais leve para as mulheres abrigadas, a equipe que atua no Sesc preparou uma programação especial para a data. Uma apresentação musical animou o alojamento pela manhã e, à tarde, outra atração estava programada. Rosas também foram distribuídas às mães presentes, como um gesto de carinho.
Gerente de Cultura do Sesc, Luciana Stello, 54 anos, era uma das responsáveis pela distribuição das flores. Atuando há oito dias no alojamento da Protásio Alves, Luciana não conseguiu conter as lágrimas enquanto abraçava as abrigadas.
— Não estamos tratando como um dia festivo porque, infelizmente, sabemos que não é fácil para nenhuma mãe estar aqui. Foram sonhos perdidos, conquistas de uma vida inteira, é muito triste — refletiu Luciana com lágrimas nos olhos. Ela passará todo o domingo atuando no abrigo. Longe da filha, que mora em Caxias do Sul, mas feliz por poder prestar apoio à outras mães — A gente tenta se fortalecer para conseguir fortalecê-las também.
Perto do horário do almoço, GZH também visitou o abrigo montado no Colégio Santa Doroteia, na zona norte da Capital. Por lá, uma apresentação da Cia Lúdica buscava animar as famílias presentes antes da refeição, que contava com carne de porco assada, arroz, farofa e salada. Lembrancinhas também foram entregues e, à tarde, bolo e docinhos seriam servidos para marcar o Dia das Mães.
A cozinheira Aline da Silva Costa, 33 anos, é uma entre as 226 pessoas abrigadas no local por conta da enchente. Ela é moradora do bairro Navegantes e mãe de três meninas, Nicole, Laura e Eloá. Está à espera da quarta filha, Heloísa, que deve nascer no mês que vem. Ficou emocionada quando recebeu o mimo preparado pela equipe do abrigo, mas confessou à reportagem que o presente dos sonhos seria poder estar de volta à sua casa quando a filha nascer.
— A única coisa que eu quero é ter uma cama para minhas filhas e um bercinho para a bebê. Sei que vai ser muito difícil, mas esse é o meu desejo de Dia das Mães.