Os passos são lentos, por vezes, com o auxílio de acessórios. As falas são mais baixas, quase em tons confessionais. As marcas do tempo estão presentes em cada um dos 62 idosos que vivem, atualmente, no Lar Gustavo Nordlund, no bairro Rubem Berta. Reunidos no salão principal do local, mal sabem que receberão uma visita especial.
No lado de fora, em uma van carregada com cestas básicas, homens e mulheres se transformam, por alguns instantes, em Papais e Mamães Noéis. Devidamente ornados com gorrinhos característicos, profissionais do Banco de Alimentos de Porto Alegre repetem uma ação que circula a cidade durante o ano.
Saber que o conhecimento adquirido na universidade pode ajudar outras pessoas, motiva, todos os dias, Débora Machado, uma das nutricionistas da equipe. Desde o período como estagiária na organização, ela percebeu que "fazer o bem" é um gesto de acolhimento e amor.
— Na época do Natal, ainda saímos com mais vontade para as ações, com a missão de suprir a necessidade desse público que tanto precisa. É importante ter esse olhar de humanidade, escutar as pessoas — reflete.
E é no momento em que adentram o salão, que Débora e os colegas dão voz aos idosos. Mais do que uma entrega corriqueira de produtos, a visita se torna uma série de conversas individuais, onde os moradores do lar falam, além de seus hábitos alimentares, sobre suas vidas.
Como é o caso de Lorena Toledo, natural de Santo Ângelo, no noroeste do RS, que se orgulha em contar suas duas datas de aniversários.
— Na primeira, estou com 77 anos, na segunda, com 84. Meu pai quis registrar nove filhos em uma só pegada - enumera nos dedos a sorridente senhora, que vive no lar há três anos, desde que caiu do quarto andar da casa onde morava.
"Na época do Natal, ainda saímos com mais vontade para as ações, com a missão de suprir a necessidade desse público que tanto precisa"
DÉBORA MACHADO
Nutricionista
Sua melhor amiga no lar é Noêmia Moreira, 89 anos, que interagiu com os visitantes com a mesma alegria e disposição com que passa seus dias no espaço.
—Meu dia é muito ocupado: eu pedalo, planto, cuido das flores e dos gatinhos, que nos entendem muito —lembra.
A também nutricionista do Banco de Alimentos, Nathalia Perazzo, lembra das experiências compartilhadas com este público:
Recebemos relatos de que alguns estão com depressão e outras comorbidades. Eles perdem a autonomia e desistem de fazer muitas atividades. A convivência entre os grupos devolve a autoestima. É um trabalho muito pequeno, mas muito importante para mim.
Netos
Tímida no início da visita, a doméstica aposentada Maria Cândida dos Santos, 76, é um exemplo de como um momento de atenção pode melhorar o dia. Para ela, que casou e não teve filhos, os Papais e Mamães Noéis do Banco de Alimentos são como "netos emprestados".
—Foi bem bonito. No geral, é só Deus comigo. Mas fico feliz quando chegam e nos dão presentes — balbucia Maria Cândida.
O Banco de Alimentos, que completou 23 anos de atuação em Porto Alegre, é responsável por 56% da alimentação dos atendidos no Lar Gustavo Nordlund. A ceia terá a contribuição natalina dos netos emprestados com seus gorrinhos vermelhos e brancos.