Obrigado pelas flores. Milho! (Som de mastigação). Fulano é o brabo. Obrigado pelas flores. Café! Quem entrou no TikTok na última semana certamente deparou com alguma dessas expressões. Elas integram o roteiro das lives de NPC (non playable character, ou personagem não jogável, em tradução livre do inglês), que viralizaram na plataforma de vídeos.
Diferentes pessoas – desde usuários comuns a produtores de conteúdo – passaram a investir nessa tendência após inúmeros relatos de que é possível ganhar uma renda extra. Nessas transmissões, usuários personificam personagens com os quais é possível interagir em videogames - eles possuem padrões de movimento e uma quantidade limitada de interações e falas, que se repetem.
Não existe uma regra de como fazer, e os criadores são livres para criar seus personagens. Além disso, nas lives, os espectadores podem presentear os criadores. Cada presente – como rosas, milho, café, "brabo" – equivale a moedas, que são compradas na plataforma. Os tiktokers, por sua vez, reagem a cada doação com uma frase específica. Portanto, as lives são de doação, e não de conteúdo.
O maior responsável por popularizar esse tipo de transmissão no Brasil foi Felipe Bressanim, 25 anos, conhecido como Felca. Em entrevista a GZH, ele conta que percebeu um movimento já acontecendo nos Estados Unidos há certo tempo, e observava a repercussão nas redes sociais.
Gravou então um vídeo de humor sobre as diferentes lives do TikTok, apresentando o estilo NPC. No conteúdo, representou a reação de um usuário comum, mas também criou um personagem que transmitia uma live de NPC. O vídeo atingiu 1 milhão de visualizações no YouTube nas primeiras 24 horas.
Em seguida, o youtuber criou uma conta no TikTok apenas para transmitir essas lives – e, em três dias, bateu 1 milhão de seguidores. Desde então, tem visto todo o tipo de comentários: positivos, engraçados ou ácidos.
— Através de uma brincadeira, eu pensei: pô, vou fazer um marketing para o vídeo, tentar externalizar o personagem. Claro que não achei que ia tomar a proporção que tomou, mas hoje, olhando para trás, entendo completamente o porquê — afirma, referindo-se ao algoritmo singular da plataforma.
Para ele, o "poder de espalhar" do TikTok é diferente. Cerca de 10 mil pessoas assistiram à primeira transmissão. Hoje, chega a atingir 30 mil pessoas – o que inclui espectadores fora de seu público de costume, que já não entendem o contexto, mas ficarão presos da mesma forma, segundo o youtuber.
— É uma coisa que é ridícula e que prende mesmo. São elementos, por exemplo, eu fico segurando uma mandioca. Você fica querendo entender o que está acontecendo, isso é proposital. O TikTok é uma luta por prender a atenção que, às vezes, você usa artifícios que são bizarros mesmo — explica.
As lives de Felca existem há cerca de 10 dias e duram o tempo que ele conseguir permanecer na transmissão. No ímpeto inicial para gerar algo cômico – e fazer as pessoas se perguntarem se ele realmente leva isso a sério –, chegaram a durar quatro horas. Agora, chegam, em média, a duas horas.
— Vou fazer enquanto a piada durar. É uma piada. Hoje eu entendo que sou o maior atualmente no Brasil desse nicho muito nichado, específico, então não sei se é mérito algum eu ser o maior (risos). Semana que vem já não vou mais ser porque vou parar, vão ficar as pessoas que realmente estão conseguindo uma rendinha extra, vai ficar o impacto que tudo isso causou, mas vou parar e voltar para o YouTube, que são as coisas que gosto de fazer — confessa.
Máquina de dinheiro?
É possível ganhar dinheiro "de verdade" com as transmissões, segundo Felca. O produtor de conteúdo calcula que grandes criadores, que atingem cerca de 10 mil pessoas simultaneamente ao vivo, chegam a conseguir de três a quatro dígitos por live. Contudo, as estimativas publicadas na internet sobre seus ganhos não são realistas, ressalva:
— Algumas pessoas estimaram quanto eu ganhava nas lives e os números que deram, desculpa frustrar quem está pensando em fazer, mas são absurdos, não chega a 10% do que estão dizendo. Mas ainda é muito dinheiro, principalmente pelo conteúdo que está sendo produzido. Acho que qualquer dinheiro que saísse disso seria muito, na realidade. Eu ganho mais ou menos quatro dígitos por live de duas horas, mas está mais perto do R$ 1 mil do que R$ 10 mil.
Assim, as lives não geram mais resultados do que outras rendas do youtuber. Por esse motivo, Felca alerta que elas não garantem tanto dinheiro como as pessoas estão divulgando na internet:
— Para quem está pensando em começar, alinhe suas expectativas, se não você vai se frustrar, não vá sair pedindo demissão do emprego para começar a fazer lives porque isso é muito perigoso, no máximo vai ser uma rendinha extra, que você faz brincando. Faça pensando em se divertir, se quiser fazer, e se estiver disposto a tolerar a família criticando, amigos, e a tolerar o ridículo. Mas não pense que vai mudar sua vida, porque não é tanto dinheiro quanto colocam.
Os influenciados
Juliana Ribeiro, 26 anos, atendente operacional, foi uma das pessoas influenciadas por Felca. Ela publicou um vídeo na plataforma afirmando que testaria a tendência. Posteriormente, fez outra publicação, destacando que valeu a pena. De férias do trabalho, ela começou há cerca de sete dias e faz, em média, três horas de live diariamente. De acordo com Juliana, os valores angariados variam – quanto maior o público e a quantidade de horas dedicadas às lives, maior a recompensa.
— Na minha primeira live, consegui em duas horas e meia US$ 52, o que, no dia, com a cotação do dólar, me rendeu R$ 256 — conta.
Comparando as horas de live com as de trabalho e o retorno de ambos, as transmissões valem mais a pena, segundo a atendente. Por isso, ela pretende seguir realizando as lives – mas, por enquanto, não pretende parar de trabalhar, já que essa tendência pode não render tanto em algum momento.
— O resultado é muito satisfatório, pois além de estar ganhando os presentes, também estou ganhando seguidores, e alguns desses estão me estão me acompanhando diariamente — afirma Juliana.
Já a repercussão da tendência tem sido uma "via de mão dupla", avalia, pois ao mesmo tempo que muitos gostam, outros odeiam. Todavia, esse tipo de conteúdo somente faz sucesso e rende recursos aos criadores porque há um público que acompanha e presenteia. Para a criadora, algumas pessoas assistem às lives por achá-las divertidas.
— Afinal, é como se eles te controlassem, já que você reage a cada presente recebido. No entanto, não descarto a possibilidade de alguns presentearem pelo prazer de ver as pessoas "pagando mico" — admite.
Já na visão de Felca, há várias camadas por trás desse comportamento. A primeira é o efeito dopaminérgico, de sentir prazer ao ver aquilo:
— Não tem de pensar nada, até porque falo poucas frases, é um padrão. Quando doa X presentinho, vou falar exatamente a frase que seu cérebro está esperando, então acho que traz um conforto cognitivo, de não ser surpreendido. Mas também tem a coisa da vergonha alheia. O bizarro. Tudo que une para pegar muita gente e reter. Agora, por que doam, fiquei pensando, acho que é por uma coisa de você ser visto, mesmo que muito pouco. Talvez uma carência que todo mundo sente, carência existencial de estar ali e mostrar.
Entendendo a audiência
Flávia de Oliveira, 29 anos, motorista e guia de turismo, começou a assistir às lives há poucos dias, depois de ouvir comentários a respeito delas. A princípio, nada em específico a atraiu, porém ela conta que continuou a assistir para tentar entender o porquê de muitas pessoas toparem os desafios – como interagir bem, citando cada presente – da live.
— Mas os vídeos que me chamam mais a atenção são de pessoas que, por mais que se sintam um pouco intimidadas e talvez sintam vergonha, permanecem com toda a força na live para alcançar o objetivo, que é ganhar uma rendinha extra — ressalta.
Quanto aos presentes, que Flávia também distribui, ela os adquire comprando moedas na plataforma. Ela também tenta garanti-las em sorteios.
— Enviei os presentes para aquelas pessoas que gostei da interação na live, e para as que eu via a necessidade de estar ali — explica.
Já Luzanira Pereira, 44 anos, auxiliar de saúde que mora em Genebra, na Suíça, dificilmente assiste aos conteúdos – ela se deparou com eles na plataforma e, por curiosidade, buscou outros vídeos para entender do que se tratava. Porém, também já deu presentes – em um dos casos, achou interessante o tutorial em que o criador Coloridinho ensinava outras pessoas a fazer as lives de NPC (veja no vídeo acima) e o presentou em uma transmissão como uma forma de agradecimento por ele ajudar outras pessoas.
— Eu compro as moedas, assim posso ajudar alguém de alguma forma, é uma maneira de poder ajudar. Acredito que se todos nós ajudássemos uns aos outros, o mundo poderia ser melhor. Não faço sempre, mas me sinto feliz em poder fazer de vez em quando — conta.