Já há um certo consenso entre grandes empresas de que a diversidade e a inclusão de múltiplos perfis de profissionais em seus quadros são importantes não só para o avanço da sociedade, mas também para o da própria companhia. Mesmo assim, os passos que levam até esse objetivo não deixam de ser desafiadores.
Em evento realizado nesta sexta-feira (2) no Instituto Caldeira, no 4º Distrito, na capital gaúcha, o Consulado Geral dos Estados Unidos em Porto Alegre convidou representantes de cinco empresas norte-americanas e brasileiras para contarem suas experiências e falarem sobre os desafios no processo de ampliação da diversidade e da inclusão no seu cotidiano. O Caldeira Talks reuniu profissionais das gaúchas Grendene e Sicredi e de três companhias dos EUA que têm atuação no Brasil: Thoughtworks, Dell e GM.
Em auditório lotado, o evento foi mediado por Pedro Valério, diretor-executivo do Instituto Caldeira. No painel, seis pessoas participaram, sendo cinco mulheres.
— Se olhamos para a população e ela não está sendo representada dentro da empresa, algo está errado. No nosso caso, somos uma empresa que presta serviços, e a nossa capacidade de construir soluções para uma sociedade plural está diretamente ligada a termos essa diversidade dentro da empresa — observa Marta Saft, diretora-presidente da Thoughtworks Brasil.
No caso da multinacional, que atua como consultora de tecnologia, 42% dos cargos de liderança em tecnologia são ocupados por mulheres. Em 10 anos, houve um salto de 8% para 38% de pessoas pretas entre os funcionários da empresa no Brasil. Segundo Marta, em cada região do mundo há um objetivo principal dentro da busca por diversidade, que, no Brasil, é a ampliação da pluralidade racial, mas em outros lugares, como a Índia, são a inserção de mulheres no mercado de trabalho.
— Quando entrevistamos uma pessoa, ela já precisa estar aberta, informada ou engajada no tema da diversidade, se não, nem começamos essa relação. Eu preciso desenvolver a minha jornada entendendo a jornada da mulher negra que está sentada ao meu lado — defende a diretora-presidente, que revela a importância de trazer pessoas de fora para levarem suas experiências para dentro da companhia, a fim de que se entenda melhor a multiplicidade de realidades.
No Sicredi, Joana Trivelin, líder de talent aquisition, destacou que 40% das pessoas contratadas em 2022 eram diversas e 20% tinham uma interseccionalidade dentro dessa diversidade. Ou seja: eram mulheres negras, por exemplo, ou homens negros com deficiência.
— Esse percentual foi um marco para nós. Essas métricas são muito importantes para se promover a diversidade. Buscamos ter programas de entrada para jovens que não tiveram o mesmo acesso ao mercado de trabalho, além de programas de liderança que reflitam essa diversidade, com estratégias de aceleração, para que pessoas diversas cheguem a esses cargos mais rápido — cita Joana.
O primeiro passo no Sicredi foi criar uma equipe para trabalhar especificamente com a promoção de diversidade e inclusão. Ao contrário de outras empresas, esse time não era composto por profissionais de recursos humanos – eram pessoas de diferentes áreas, que ouviam pessoas diversas para entender quais eram as suas demandas.
— Como o negócio do Sicredi é dinheiro, buscamos ajudar pessoas que não têm tanto poder de compra a fazerem parte de uma parcela mais ativa economicamente da população, por meio de um produto mais inclusivo — explica a profissional.
O Sicredi tem, por exemplo, uma parceria com as aceleradoras Ágil e Inclusiva, que oferecem programas de ensino na área da tecnologia, nos quais estudantes têm a oportunidade de aprender sobre programação, design de experiências, testes de usabilidade, entre outros. Além disso, recebem incentivo financeiro, suporte nos equipamentos necessários para o aprendizado e, quando preciso, apoio psicológico e social com vistas ao seu pleno desenvolvimento. Outra iniciativa da qual a empresa faz parte é o Nova Geração, do Caldeira, que capacita jovens oriundos de escolas públicas para participarem de uma capacitação em inovação e tecnologia e, depois, seleciona alguns para receberem bolsas e encaminhamento para vagas de emprego.
Inovação e mudança na cultura empresarial
Na Dell, de acordo com o engenheiro de software da empresa, Luís Felipe Alimari, há 13 grupos de diversidade, porque a distribuidora de computadores entende que a inovação de que necessita está diretamente ligada à inclusão.
— Se não fosse assim, eu não estaria lá. Todo ano, temos treinamentos sobre inclusão, e trabalhamos com a previsão de que, em 2030, mais de 50% de nosso quadro seja composto por mulheres — ressalta o engenheiro, que é cadeirante.
Alimari cita o projeto Lead, criado pela Dell de Fortaleza em parceria com instituições de ensino e pequisa do Ceará, como uma iniciativa para ampliar o acesso de pessoas com deficiência ao mercado de trabalho. Nesse projeto, são oferecidas soluções tecnológicas que ajudem essa população a serem mais produtivas e a alcançar todas as capacidades de trabalho e emprego. Também são oferecidas capacitações para pessoas com deficiência em diferentes áreas.
Na Grendene, que produz calçados, atualmente o foco é em ações educacionais – de todas as atividades implementadas em 2022, 70% são nessa área. Foi feito, por exemplo, um questionário anônimo sobre questões como racismo e identidade de gênero, respondido por 87% dos funcionários. Para o ano que vem, o foco será em trabalhos individuais. A empresa também aderiu ao nome social para todos os profissionais trans.
— Somos da indústria da moda, então, se não pensarmos em diversidade, não teremos futuro. A Grendene sempre foi vista como uma empresa inovadora e percebemos que estávamos perdendo um pouco disso, o que nos acendeu um alerta. Temos certeza de que esse trabalho de ampliação da diversidade vai gerar bons resultados, para além da importância social — avalia Graciane Köche, especialista em educação corporativa da Grendene.
Head de pessoas e cultura da Bergamotta Labs, que atua junto à Grendene, Poliana Corrêa salienta que ter projetos liderados por pessoas diversas já é um ganho.
— Não necessariamente precisamos ter o olhar diretamente para o tema da diversidade em todos os projetos, quando temos lideranças diversas atuando — analisa Poliana.
Diretora de recursos humanos da fabricante de automóveis GM, Rubiana Souza destaca o desafio que é mudar a cultura de uma empresa tradicional e centenária, mas que, com a presença de uma mulher como CEO, a companhia tem passado por uma transformação.
— A indústria automotiva envolve muita inovação e isso exige olhar para essa transformação global. O primeiro passo é o setor de RH se apropriar dessa mentalidade. Agora, estamos fazendo com que as lideranças se apropriem para, por fim, chegar aos funcionários – relata Rubiana.
Na GM foram criadas políticas de respeito à diversidade e canais de denúncia com garantia de não retaliação. Foram criados comitês de diversidade e em todos os processos seletivos há a obrigação de que 50% das candidatas sejam mulheres. Para ampliar o acesso de pessoas que não sabem falar inglês, a companhia também oferece aulas do idioma para seus colaboradores.
Diversidade e inclusão como prioridades
O encontro contou, ainda, com a presença do cônsul-geral dos EUA em Porto Alegre, Shane Christensen, e da vice-chefe da Embaixada e Consulados do país no Brasil, Michelle Esperdy.
— A promoção de diversidade e inclusão é uma das prioridades do governo dos Estados Unidos, porque ela leva a sociedades mais equitativas, ao desenvolvimento sustentável e a democracias mais sólidas. É um desafio em comum que todos devemos enfrentar juntos — defendeu Michelle, em sua fala de abertura.
O Consulado de Porto Alegre conta com o apoio de um grupo chamado Diversity League para o aconselhamento em questões de diversidade, igualdade, e inclusão e acessibilidade (DEIA, na sigla em inglês), que são prioritárias, conforme Christensen.
— Esses princípios são parte integral do trabalho da Embaixada e dos Consulados dos Estados Unidos no Brasil, e é um desafio em comum que todos devemos enfrentar juntos — pontuou o cônsul-geral.