A smart TV - ou televisão conectada à internet - está presente em mais da metade das residências do Rio Grande do Sul. No cenário nacional, o dispositivo é o segundo na preferência dos brasileiros como meio de acesso à rede. Nesse contexto, o modo tradicional de assistir televisão, com o consumo de canais abertos e fechados, tem se mantido relevante mesmo com a popularização de plataformas de streaming. A smart TV tem sido quase hegemônica na preferência de quem quer comprar uma televisão e, como consequência, muda a forma de consumir conteúdos pela internet no Brasil.
Leonardo Corrêa Fabricio, 27 anos, está entre os gaúchos que associam o dispositivo à rotina diária. Ao acordar, por volta das 6h, ele liga a smart TV, acessa o Youtube e pesquisa algum vídeo, que o acompanhará no café da manhã. Horas depois, no almoço, a companhia é de novo a televisão, que distrai o morador do bairro Cristal, na zona sul de Porto Alegre, com algum filme ou série do streaming. No fim da tarde e início da noite, séries ou filmes, outra vez:
— Por dia, fico de cinco a seis horas com a TV ligada. No fim de semana, pode chegar a mais de oito horas. Assisto bastante a filmes e séries, vejo canais fechados também. Uso a TV sempre que posso. Estudo de seis a sete horas por dia e isso cansa muito a cabeça. Vejo TV porque ela me ajuda a descansar — diz o estudante de Medicina Veterinária.
Na casa da família de Tisiane Mordini de Siqueira, 56 anos, moradora do bairro Santo Antônio, em Porto Alegre, há três televisões conectadas à internet. Além da advogada, o marido e os dois filhos adultos se dividem para assistir a aplicativos de streaming.
— Não tenho uma rotina fixa, assisto quando não estou trabalhando. Sempre vi muitos filmes: primeiro na TV aberta, depois por fita e DVD, depois pela TV a cabo e, por último, pela internet. Acho que foi mais a partir de 2020 que se intensificou essa nova forma (de consumo) para mim — comenta.
No fim do ano passado, a família instalou um novo serviço de internet na casa e teve um ponto adicional para conexão, onde não havia TV. Por isso, a decisão de comprar mais uma, das mais modernas, de 65 polegadas. Tisiane estima que dedique duas horas diárias à televisão, tempo que pode aumentar em períodos sem atividades profissionais. A advogada avalia que a smart TV mudou a forma de consumir os conteúdos preferidos.
— Tenho mais liberdade para o horário de assistir. Às vezes, vejo um pouquinho (de séries e filmes) depois do almoço ou em algum intervalo do trabalho — diz.
A rotina destes moradores de Porto Alegre corrobora dados que indicam o uso crescente da televisão como meio de acesso à internet no país. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados neste mês, identificaram que o celular foi o dispositivo mais utilizado para acessar a rede nas residências brasileiras em 2021.
No entanto, há uma mudança no segundo lugar do ranking, ocupado, pela primeira vez, pela TV, como a opção de acesso à internet mais utilizada em 44,4% dos domicílios brasileiros. Esse dado representa alta de um terço na comparação com o estudo anterior, de 2019. A expansão é maior se comparada a anos anteriores: em 2016, por exemplo, 11% dos entrevistados disseram usar a televisão como meio de conexão à rede. Na terceira posição da pesquisa deste ano, ficaram os microcomputadores, com 42,2%. O uso de tablets para acessar a internet completa a lista, com 9,9% dos domicílios brasileiros.
Em 2016, 13% dos gaúchos disseram usar a TV para acessar a rede. Em 2021, foram 51,27%, o que supera o percentual nacional na mesma avaliação. O infográfico abaixo mostra a expansão do uso do dispositivo no Estado nos últimos anos.
A Pnad Contínua mostra que o celular também foi o principal dispositivo de acesso à internet nas casas dos gaúchos em 2021, com 99,5% dos domicílios com acesso à rede. O uso do computador, embora em queda desde 2016 (66,7%), ainda ocupa a segunda posição: no ano passado, foi utilizado em 54,4% de domicílios gaúchos.
TV aberta segue firme, diz pesquisa
A forma tradicional de consumir conteúdos pela televisão, com os canais abertos e fechados, segue firme e forte, ao lado do crescimento da smart TV nos lares brasileiros e o aumento da oferta de serviços de streaming. Estudo da Inside Video 2022, da Kantar Ibope Media, indica que a TV linear, aquela que não é vista sob demanda, responde por 79% do tempo de consumo de vídeo na casa do brasileiro. Nesse contexto, os serviços de streaming são responsáveis por 21%. Conforme o Inside Video, no ano passado, 205 milhões de pessoas assistiram aos canais de TV aberta e paga no país.
"O sucesso do meio se deve ao fato de oferecer uma programação ampla, variada e de credibilidade", justifica a pesquisa. O brasileiro consome, em média, cinco horas e 37 minutos de TV linear por dia: 25% desse tempo é dedicado a programas jornalísticos. Seguindo o ranking de preferências, estão o consumo de novelas (18% do tempo), programas de auditório (9%) e reality shows (4%).
Especialistas apontam que não há uma estratégia única e definitiva no mercado para abordar os desafios e oportunidades trazidos pela adoção de smart TVs. Alguns grupos de mídia no Brasil têm adotado modelos de parceria com empresas de tecnologia para distribuir o seu conteúdo em plataformas estabelecidas, enquanto outros apostam no desenvolvimento de plataformas próprias, como a Globo com o Globoplay.
Nesse contexto, para seguir com a produção de conteúdo relevante, capaz de atrair o interesse de um grande volume de telespectadores e competir com novos produtores de conteúdo audiovisual, as emissoras de TV encaram a necessidade crescente de aprofundar o conhecimento sobre os seus públicos e sobre como os seus programas são consumidos.
Mudança de comportamento
Levantamento da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) de 2021 indicava que as smart TVs tinham participação de 99,4% no total de vendas de televisores no Brasil. Já a GfK, uma empresa de estudos de mercado, indica que o Brasil está entre os maiores compradores mundiais de televisores, com média de 1,7 dispositivo por casa.
Para Vanessa Valiati, professora do mestrado em Indústria Criativa da Universidade Feevale, o crescimento do uso da TV como meio de acesso à internet está associado às plataformas de streaming. Em sua avaliação, os dados da Pnad Contínua são reflexo de modificações nos hábitos de consumo de conteúdo da população brasileira, impulsionadas pela popularização e investimento das plataformas, que, desse modo, inseriram novas práticas às rotinas dos consumidores.
— O que se pode observar é a criação de fluxos de consumo mais personalizados, com ritmos e sequências temporais de acordo com necessidade, devido às possibilidades oferecidas pela plataforma, a disponibilização integral de séries, que nos permite "maratonar" ou a grande variedade de gêneros e plataformas para gostos específicos — explica a pesquisadora.
Vanessa afirma entender que o acesso aos conteúdos audiovisuais por meio de smart TVs está consolidado e é uma tendência que tem sido notada há anos. Ela inclui, nesse contexto, todos os tipos de TVs: sejam as projetadas para esse fim e também aquelas que são "transformadas em smart" via dispositivos de conexão, como o Chromecast.
Com a pandemia, houve intensificação de hábitos ligados ao consumo cultural pela internet em ambiente doméstico e o aumento do tempo destinado ao streaming. É o que a pesquisadora identificou na pesquisa Covid-19 e os impactos na Indústria Criativa do Rio Grande do Sul. No trabalho, mais de 60% dos participantes relatam o uso da internet na rotina. Além disso, a mesma pesquisa indicava que os suportes mais utilizados para consumir esses conteúdos são as smart TVs (39,7%), notebook/computador (20,7%) e smartphones (19,8%):
— Além de aspectos da pandemia, pode-se concluir que o conforto em utilizar telas maiores, e também hábitos ligados à televisão que são incorporados ao longo da vida e o contexto de consumo podem ter influência nessa preferência — completa Vanessa.
Outra característica das plataformas pode explicar a população do consumo de conteúdos via TV conectada à internet: o funcionamento dos sistemas de recomendação e a interação dos aplicativos com os consumidores:
— A cultura do streaming nos leva a uma sensação de consumo interminável, marcado pela insaciabilidade, o que é muito bem utilizado pelas plataformas.
Crianças e a TV
O crescimento da presença de smart TVs nos lares brasileiros tem mudado até mesmo o comportamento de crianças e adolescentes no país. Estudos, especialistas e instituições têm alertado para uma exposição crescente da tecnologia na rotina do grupo, como uma opção de entretenimento para crianças, no local de atividades físicas e contato com indivíduos da mesma idade.
De acordo com um levantamento da Askids, braço de dados e percepções da Kids Corp, uma empresa que marketing e tecnologia com foco no público infanto-juvenil, 86% do público menor de idade no Brasil consome séries e filmes e dedica, em média, 11 horas semanais para a atividade. Nos casos de adolescentes e pré-adolescentes, entre nove a 18 anos, o alcance ultrapassa 13 horas por semana. O número de opções de entretenimento via smart TVs mudou como crianças e adolescente têm consumidos os conteúdos, de acordo com Luciana Tisser, psicóloga da infância e adolescência e doutora em Neurociências.
— Nas gerações passadas, a programação infantil na TV tinha um horário para começar e um horário para acabar. Hoje, a criança pode ficar 24 horas com programação. Isso acaba se tornando um estímulo passivo: ela não interage, não brinca na rua, não desenha — comenta.
Os aplicativos têm "filtros" para impedir que crianças tenham acesso a materiais inapropriados para a faixa etária. No entanto, para a especialista, mesmo com isso, vários conteúdos inadequados estão disponíveis aos menores, em especial no YouTube. Por isso, os responsáveis não podem se omitir nesse processo.
— O importante são os limites, tempo do uso de tela e o cuidado em relação aos conteúdos. Não é saudável proibir (o uso de TV), mas temos de educar para uso dela desde pequeno. Deixar a criança consumir livremente é como se ela saísse à rua e pudesse conversar com várias pessoas sem a vigilância dos pais — diz.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) orientas que bebês de até dois anos não vejam nenhuma tela. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) indica um limite segundo a idade e as etapas do desenvolvimento das crianças. Concorda com a OMS quanto aos menores de dois anos; de dois a cinco anos, o limite para a sociedade é de uma hora por dia, sob supervisão dos responsáveis. Dos seis aos 10 anos, são duas horas indicadas. Acima disso, no máximo três por dia.