O caso da atriz Klara Castanho, que revelou neste final de semana que ficou grávida após ser vítima de estupro e colocou o bebê para adoção assim que ele nasceu, acendeu a discussão sobre o sigilo de informações. Ainda que seja uma pessoa pública, a jovem de 21 anos, como qualquer outro cidadão brasileiro, tem direitos garantidos pela Constituição Federal, entre eles a privacidade e a proteção de seus dados pessoais. Nesta reportagem, especialistas apontam o que fazer em caso de violação desses direitos.
Em carta aberta na qual tornou público o caso, publicada no sábado (25) em suas redes sociais, a artista conta que resolveu falar sobre o assunto por não poder silenciar “ao ver pessoas conspirando e criando versões sobre uma violência repulsiva e de um trauma” que sofreu. Klara relata, ainda, que foi abordada logo após o parto por uma enfermeira no hospital, que ameaçou divulgar a sua história.
A revelação ocorreu após a youtuber Antonia Fontenelle dizer em uma live que “uma atriz global de 21 anos teria engravidado e doado a criança para adoção". Depois da divulgação da carta aberta, o colunista de fofocas de celebridades Leo Dias, do portal Metrópoles, publicou uma coluna dando detalhes do caso.
A advogada Gabriela Souza, especializada no direito das mulheres, ressalta que mais de 95% dos crimes envolvendo vazamento de informações pessoais na internet têm mulheres como alvo e que, por isso, trata-se de um crime de gênero.
— Muito embora seja um crime que possa atingir homens e mulheres, a violação da intimidade é um crime de gênero, na medida em que busca ofender a honra da mulher na lógica da mulher honesta, que é um termo que constava até 2005 no Código Penal e parte da ideia de manchar a reputação da mulher — resume Gabriela.
No caso de Klara, a jurista destaca que houve crime contra a honra, violação da privacidade, da intimidade, violação da proteção de dados e do sigilo ético e profissional. Juliano Madalena, professor de Direito Digital da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), considera este como um típico caso de “invasão e inobservância” do direito à privacidade, mas que também há indícios de que tenha ocorrido um vazamento de dados do hospital onde Klara fez o parto.
— A se confirmar esse vazamento, temos o emprego da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que traria sanções até mesmo de multas de alto valor, a depender da condição financeira do hospital — destaca o jurista.
A multa pode ser de até 2% do faturamento da empresa, com o limite de até R$ 50 milhões por infração. Além da penalização financeira do hospital, entidades de Enfermagem também estão investigando o vazamento de informações. O próprio estabelecimento, conforme o advogado, pode responder pela quebra do sigilo dos dados médicos, que são considerados dados pessoais sensíveis
Além do hospital e dos profissionais da saúde envolvidos, a youtuber e o colunista também podem responder pela violação da privacidade de Klara — ainda que jornalistas sejam protegidos constitucionalmente pelo direito à liberdade de imprensa e a não revelar suas fontes, Juliano salienta que todos os direitos têm um limite.
— Ao publicar informações oriundas de vazamento e com conteúdo extremamente privado, o colunista acaba cometendo ato ilícito também. Além disso, não há interesse público no conteúdo da notícia exposta, já que ele invadiu uma esfera extremamente íntima da privacidade da atriz — analisa o professor.
Mesmo em casos como o de Antonia Fontenelle, que não expôs o nome da atriz, o fato de a youtuber ter feito uma descrição que permitia a identificação da pessoa em questão permite que ela possa ser responsabilizada pela exposição.
— O fato de omitir o nome não gerou um efeito prático e jurídico, porque qualquer pessoa de conhecimento médio que estivesse assistindo a essa live teria condições de chegar ao nome da atriz. Por isso, não desqualifica o conteúdo como um dado pessoal protegido pela LGPD — observa Juliano.
Gabriela salienta a importância de uma punição financeira alta o suficiente para evitar que novos casos como este ocorram:
— Eu espero que quem violou esses direitos seja responsabilizado em todas as esferas, e que as pessoas que calcularam o quanto isso geraria de lucro, para avaliar se valeria a pena pagar uma indenização em troca dos likes, também. A punição financeira tem que ser grande o suficiente para ninguém nunca mais fazer isso, porque R$ 20 mil essas duas pessoas (os comunicadores) têm tranquilamente para pagar a indenização — pontua a advogada.
Efetividade da Lei Geral de Proteção de Dados
Na esteira do que disse Gabriela, Juliano pontua que a punição financeira também precisa ser efetiva entre as multas previstas na LGPD. De acordo com o jurista, quem tem a incumbência de fiscalizar, educar e punir violações de dados pessoais é a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), vinculada à presidência da República até recentemente e, neste mês, transformada em uma autarquia especial. A expectativa é de que a atuação do órgão, a partir dessa transformação, se intensifique.
— Não temos visto uma atuação muito intensa dessa autoridade nesse tipo de caso. A LGPD é muito bonita, mas, se não houver sanções, ela não funciona — alerta o advogado.
Para além da instauração de ações de natureza cível, a pessoa que tiver seus dados pessoais vazados pode fazer uma denúncia no site da ANPD. Não é necessário contar com um advogado para fazer a denúncia. A partir disso, o órgão fará a investigação do caso.