Em outubro, a agenda de Laércio Santos Roca para o dia 24 de dezembro já estava praticamente lotada. Sua primeira contratação, neste ano, foi feita quatro meses antes da data em que prestará o serviço. Uma antecedência até então inédita nas mais de cinco décadas em que o aposentado trabalha como Papai Noel.
— Este ano me surpreendeu muito, muito mesmo. Aconteceu algo que nunca havia acontecido nos outros anos: o primeiro contato para contratação foi em agosto. A pessoa disse que queria garantir, já que em 2020 não teve festa grande — relata.
A cliente adiantada foi a designer gráfica Juliana Olmos, que conheceu o serviço de Laércio no ano passado, quando reuniu somente os familiares mais próximos para a comemoração do Natal. Ela imaginava que a situação da pandemia estaria um pouco melhor no final deste ano e que, por isso, a procura por Noéis estaria bem maior. Então, resolveu se antecipar para reservar sua data:
— Nós curtimos muito o Natal, então termina um e a gente já começa a pensar no próximo. Sempre enfeitamos a casa, colocamos luzinhas, ficamos super no clima. E o Papai Noel é a peça-chave do Natal, por isso já disse para ele (Laércio) nos colocar na lista de clientes de todo ano.
Mesmo tendo feito algumas visitas presenciais, os encontros entre o aposentado e as crianças em 2020 foram, em sua grande maioria, online. Aos 77 anos, ele atua há 55 como Bom Velhinho, em shoppings, eventos e residências particulares. Em todo esse tempo de trabalho, jamais tinha visto acontecer algo que impedisse as reuniões familiares de fim de ano, como a pandemia de coronavírus.
Laércio acredita que esse seja o principal motivo para o que descreve como “desespero” das pessoas pela contratação de Noéis. Na véspera de Natal, por exemplo, ele sairá do shopping onde trabalha às 14h e, 50 minutos depois, já tem um cliente agendado.
— Nunca vi uma coisa dessas, dia 24 trabalho até as 23h, quando faço a última visita. Depois, vou para casa, porque não abro mão de passar o Natal com a minha família. São mais de 10 visitas na véspera, é uma correria — detalha, ressaltando que tem diversos outros clientes marcados para outros dias de dezembro.
Na metade deste mês, a visita será no condomínio de Paola Harrote Amorim de Souza, que está com sua data reservada desde outubro. Ela conta que escolheu um dia de semana justamente porque sabe que é mais fácil de conseguir e que organiza a festa de acordo com a agenda do Noel.
Em 2020, por não ter Bom Velhinho, os moradores do condomínio decidiram comprar uma roupa para que algum vizinho pudesse se vestir e entregar os presentes às crianças. Mas, segundo Paola, não foi muito legal, pois os pequenos logo perceberam a diferença. Então, este ano, decidiram fazer novamente, mas contratando Laércio.
— Percebi que Papai Noel não é uma roupa e sim um personagem. A pessoa que está por trás daquela roupa tem que vestir o personagem para trazer aquela alegria para as crianças e para os adultos também, porque, no final, todo mundo curte. Para o Davi (filho dela, de sete anos), o Papai Noel é o Laércio — afirma.
Reencontros
O Natal deste ano marcará a retomada dos encontros presenciais entre Décio Pires Ferreira, 67 anos, e as crianças. Em 2020, por medo do coronavírus, o aposentado recusou os poucos pedidos de visita que recebeu. No shopping onde trabalha, ficou dentro de uma vitrine falando com as crianças e, por conta própria, fez algumas chamadas de vídeo para os clientes mais antigos.
Morador de Porto Alegre, Décio trabalha como Bom Velhinho desde 2012 e atende, inclusive, eventos e clientes na Região Metropolitana. Assim como Laércio, ele foi surpreendido pelo número de pessoas que já agendaram horário para a véspera de Natal.
— Tenho somente um ou dois horários disponíveis ainda. Geralmente, eu fechava a data no decorrer do mês, mas desta vez está quase lotado já. Também estou vendo que a maioria dos colegas estão lotados — comenta.
Gustavo e Renata Navarro contratam o aposentado todos os anos, desde 2014 — com exceção de 2020, por causa da pandemia. Neste ano, ao saber que Décio trabalharia, o casal decidiu chamá-lo novamente para a véspera do Natal. A contratação também foi feita antecipadamente, em outubro, para garantir a presença do Bom Velhinho para os filhos, Martina e Marcelo.
O encontro com Décio no dia 24 de dezembro, conforme Renata, já virou uma tradição de família. Os quatro sempre aguardam a chegada do Noel por volta das 19h, antes de irem para uma festa maior, com o restante dos familiares:
— Sempre chamamos ele, tanto que temos fotos com ele de todos os anos. E, para os meus filhos, o Décio é o Papai Noel de verdade, os outros dos shoppings são os ajudantes.
De acordo com o aposentado, o trabalho como Bom Velhinho é um complemento de renda, ou seja, ele não faz por necessidade, mas sim porque realmente gosta. Ele conta que essa atividade começou como uma brincadeira, quando decidiu deixar a barba e o cabelo — que já eram brancos — crescerem.
— Comecei a fazer o personagem para os amigos e gostei. Fui me informar sobre como trabalhar com isso e, depois, me apaixonei pela ideia do Bom Velhinho, pelas histórias e pelo contato com as crianças — recorda Décio.
Para Rogério Krugen Junior, 45 anos, que atendia uma média de 40 clientes antes da pandemia e conseguiu somente 15 no ano passado, este Natal também representa uma retomada. Ele afirma que, em mais de uma década de trabalho como Papai Noel, nunca teve tão pouco serviço quanto no último mês de dezembro.
Educador físico formado pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Rogério concorda que a reclusão das pessoas em 2020 está refletindo na procura por Papais Noéis agora. No dia 24 de dezembro, ele costuma atender clientes “fiéis” e, por isso, a agenda para a data deste ano está praticamente fechada, restando poucos horários disponíveis no turno da tarde.