Na terça-feira (2), imagens do padre Julio Lancellotti quebrando com uma marreta blocos de paralelepípedos instalados embaixo de viadutos na cidade de São Paulo viralizaram nas redes sociais. As pedras, inseridas com o objetivo de evitar a presença de moradores de rua nos locais, foram retiradas pela própria prefeitura após a repercussão negativa. De acordo com o município, a decisão de instalar os paralelepípedos foi tomada de forma isolada por um funcionário, que foi exonerado.
Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, na manhã desta quarta-feira (3), o padre relatou que estava no exato momento da entrevista em um dos viadutos, onde todas as pedras já haviam sido retiradas e uma camada de concreto “muito mal feita” foi colocada no lugar:
— Isso mostra realmente a improvisação e a improbidade administrativa de uma ação cara (que foi) transportar todos aqueles paralelepípedos pontiagudos e depois de retirar da forma como foi feita, sem nenhum planejamento. Agora esse espaço aqui está com cimento ainda fresco, ainda escorrega, e a gente vê que não é uma coisa bem feita.
Segundo Lancellotti, ocorreu um grande aumento da população de rua no Brasil nos últimos anos e em todas as cidades brasileiras há mais casas sem pessoas do que pessoas sem casa. Como alternativa para resolver a questão, ele citou a locação social, onde o indivíduo tem garantido o direito de morar, sem ter o direito de propriedade.
— Não é dar casa para ninguém, mas, sim, fazer uma locação social, sendo que o imóvel continua sendo do Estado e a pessoa paga 10% do que ela é capaz de ganhar — explicou.
Dentre as outras opções, o padre afirmou que existe ainda a bolsa aluguel e as moradias provisórias ou repúblicas, que fazem parte da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Para ele, essas alternativas são de um custo muito menor do que os centros de acolhida ou dos albergues e geram autonomia das pessoas.
— Há uma política nacional instituída no Brasil para a população de rua, só é preciso que cada município siga essa política e priorize a questão da habitação e da moradia para essas pessoas. Nós não vamos resolver tudo (com essas medidas), mas vamos dar grandes passos — enfatizou Lancellotti.
O padre também relatou que muitos moradores de rua de São Paulo são gaúchos e uma outra medida para diminuir esse número seria contatar as famílias dessas pessoas e verificar se elas as recebem de volta. No entanto, salientou que, para colocar essas alternativas em prática, é preciso de muita vontade, mas as prefeituras normalmente se preocupam mais em garantir a reeleição e a manutenção do poder.
Questionado sobre o que as pessoas da sociedade civil podem fazer para ajudar, Lancellotti disse que é necessário que elas mantenham uma relação sem discriminação ou preconceito, sempre buscando uma forma de humanização.
— A gente precisa olhar para eles (moradores de rua) primeiro como seres humanos, falar com eles como seres humanos, não agredir, não ser preconceituoso e também não idealizar, porque eles não são anjos, eles são pessoas e, como pessoas, eles têm os mesmos limites que todos nós temos — concluiu o padre.
O padre Julio Lancelotti é conhecido pela atuação na Pastoral Povo da Rua junto a pessoas em vulnerabilidade social em São Paulo.