Victoria Oliver colocou as orelhas de cetim sobre seus cachos loiros. Um rabinho de coelho já estava preso na parte de trás de sua fantasia. Momentos antes, uma costureira arrumou o espartilho em sua cintura. A gravatinha estava engomada, as abotoaduras, alinhadas. Uma faixa preta e cheia de brilhantes de Roberto Cavalli envolvia seu torso.
Victoria, 25 anos, olhou-se no espelho, inclinou a cabeça e pausou. Então, pegou uma de suas orelhas de coelho e deu uma leve dobrada. Um sorriso iluminou seu rosto.
— Eu gosto delas assim, um pouco tortas. Fica mais descolado — disse ela.
Contemple o nascimento — ou renascimento — de uma coelhinha da Playboy.
Victoria estava provando o figurino em uma manhã recente, sendo uma das 54 jovens escolhidas dentre centenas de outras para servir bebidas em um novo clube da Playboy no centro de Manhattan, em Nova York (EUA). O designer Jeremy Scott promoveria uma festa no espaço de 1,3 mil metros quadrados após seu desfile na Semana da Moda de Nova York.
O corpete de Lauren McFall, outra futura coelhinha, estava sendo ajustado pela primeira vez. Como tantas outras em Nova York que se enfeitam para coquetéis, ela e Victoria são atrizes durante o dia. Lauren, que se recusou a revelar sua idade, já trabalhou em baladas no centro; Victoria, como maître em um restaurante no SoHo.
Esta não é a primeira vez que a Playboy, que está trabalhando com a Merchants, uma empresa de hospitalidade, tentou reviver suas coelhinhas. O clube original da Playboy, que abriu em Chicago em 1960, foi um sucesso tão grande que gerou filiais em mais de 30 cidades ao redor do mundo. O último deles, em Lansing, Michigan, fechou em 1988.
As tentativas de relançamento ao longo dos anos incluíram um outro clube de Nova York, em que homens — "coelhos" — foram colocados junto às mulheres para servir, mas sem o rabinho ou orelhas; e o mais próximo de um clube da Playboy, que abriu em 2006 no Palms Hotel em Las Vegas, fechou após seis anos.
Mas como se sairão essas orelhas de coelho em uma zona que está reflorescendo com chapéus de gatinhos (um símbolo das marchas feministas do ano passado)? Neste Ano Feminino (mais um), no qual um número recorde de candidatas está concorrendo às eleições americanas, uma garçonete vestida de coelhinho é simplesmente um espectro do sexismo?
Depende de quem vai responder essa pergunta.
Uma situação de desenhos animados
Alguns poderiam dizer que Gloria Steinem já fechou essa questão há muito tempo. Em 1963, ela escreveu dois artigos contando tudo para a revista Show, depois de ter trabalhado como coelhinha no clube original de Nova York. Ela descreveu longas horas de trabalho, homens nojentos, exigências trabalhistas absurdas (como uma inspeção médica obrigatória) e um baixo salário. A conclusão a que chegou — "todas as mulheres são coelhinhas" — foi bem recebida.
Outras duas jovens atrizes se tornaram coelhinhas no mesmo dia em que Gloria trabalhava em Nova York. Uma delas era Mary Hutton, da Flórida. A outra, Kathryn Leigh Scott, que foi para Nova York depois de passar a infância em uma fazenda em Minnesota.
Pediram a Mary que mudasse seu nome, porque já havia três outras Marys no clube. Ela usou seu nome do meio, Laurence, em homenagem ao pai, que morreu jovem. Por ser grande demais, abandonou as duas últimas letras, para caber em sua identificação no clube.
Então Keith Hefner, irmão de Hugh, designou-a para trabalhar em um dos balcões de comida. Não passou muito tempo até que Lauren Hutton trocasse sua fantasia de coelhinho pela capa da Vogue.
Scott, mais tarde, atuaria em filmes e na televisão e publicaria livros, incluindo The Bunny Years, no qual entrevistou mais de 200 ex-coelhinhas.
— Muitas mulheres com as quais trabalhei ainda são minhas amigas. Elas se tornaram empresárias, cientistas, arquitetas, todo tipo de coisa — disse Kathryn em sua sala de estar no centro da cidade.
Lauren, contatada por telefone no lado mexicano do Rio Grande, disse que não ficava nem surpresa nem horrorizada pela ideia.
— Acho que é um bom trabalho para uma garota, se ela não tem nenhuma formação, como eu — disse Lauren, que foi recusada por várias cadeias de fast-food até ser contratada pelo clube da Playboy. — E sabe, eu ganhava U$ 600 em um turno no almoço, em 1963.
Relembrando o dinheiro que ganhava, Kathryn acrescentou:
— Muitas de nós ganhávamos mais do que nossos namorados ou irmãos, até mesmo que nossos pais. E tínhamos 18 anos, ainda frequentando a escola, lançando nossas carreiras. E era divertido.
Lauren disse que se sofisticou durante o trabalho e que se sentia protegida por ser uma coelhinha.
— Ninguém tinha permissão de te abordar, embora, às vezes, alguns machinhos tentassem.
Kathryn tem as mesmas sensações que Mary.
— Eu tinha colegas de escola que trabalhavam como vendedoras, secretárias, garçonetes em outros lugares e nem de perto estavam tão seguras em seus empregos como nós. A Playboy sabia que estava vestindo meninas em trajes provocantes e era muito cuidadosa. Era um ambiente seguro e estávamos no comando.
Mas Gloria mantém sua tese de que a vida como coelhinha era e é, por natureza, uma vida de exploração.
— Nessa época de Me Too e Time's Up, sabemos que as trabalhadoras de restaurantes estão entre as mais assediadas sexualmente, porque dependem das gorjetas. Trabalhar seminua em espartilhos com saltos altos também é doloroso — ela escreveu em um e-mail. — Como Hefner, os clubes da Playboy eram uma paródia do patriarcado, assim como os caras que precisavam deles. É difícil imaginar qualquer nova-iorquino frequentando-os, com exceção de Donald Trump.
Lauren tem uma visão diferente.
— Eu gostaria de salientar que é um maiô – ela disse com uma risada. — Hoje em dia, na verdade, provavelmente é bem mais sóbrio do que outras roupas que encontramos por aí. E você está usando orelhas de coelho, o que é um pouco cômico. É uma situação de desenho animado.
Muito dourado
Tanto Victoria Oliver quanto Lauren McFall afirmaram ter lido o livro de Gloria, A Bunny's Tale, antes de vestirem suas orelhas. Elas contaram que ele as fez pensar sobre a condição das mulheres na década de 1960, mas, Lauren disse:
— Se o figurino de coelhinha está ultrapassado, isso significa que o figurino da Mulher Maravilha está ultrapassado, o que significaria que qualquer figurino que a Beyoncé veste em shows é ultrapassado, o que simplesmente não é verdade.
Mary Hutton e Kathryn Leigh Scott disseram que até passariam no novo clube.
— Eu não bebo muito, mas iria se fosse na hora do almoço, só para ver como as meninas estão e contar-lhes algumas das minhas experiências. E para economizar dinheiro. Poupe seu dinheiro! — disse Mary.
Por falar nisso, uma caminhada pelo clube ainda em construção, no qual essas coelhinhas equilibrarão bandejas de martinis em saltos de 7 centímetros, revelou que nenhuma despesa foi poupada.
O piso será feito de mosaicos de azulejos, com padrão tipo espinha de peixe e detalhes em mármore; as paredes formadas a partir de vidro Bendheim preto; a mobília do meio do século, montada em Portugal. Capas e fotografias dos arquivos da Playboy serão penduradas nos lavabos e corredores.
O lugar vai se encher de detalhes dourados, que estarão nas alças de bronze que terminam em um corrimão forrado de couro, ao longo de uma escada de vidro que brilha com luzes de LED incorporadas em cada degrau. Estará nas paredes pretas adornadas. E no aquário de 159 quilos, uma cabeça de coelho será colocada e envolvida por estruturas de coral que se juntarão a tantas outras espécies, como a moreia-zebra e o peixe-porco, importados diretamente do Japão.
O destino de uma marca
— A Playboy não existiria se houvesse igualdade entre mulheres e homens em nossa sociedade. É a versão sexista de um espetáculo de menestréis — disse Gloria Steinem.
No momento tanto os homens como as revistas impressas estão no meio de uma crise de identidade. Em nenhum lugar isto é mais evidente do que na revista Playboy, amarelando por trás de um plástico opaco para preservar a privacidade em algum rack, e em sites pagos na internet.
Apesar da deriva nestes novos tempos de preocupação com gêneros, a Playboy pode estar melhor preparada para manter a longevidade de sua marca do que concorrentes como a Esquire ou a Maxim. Isso porque ela não tem que estar no jogo de conteúdo, dependente de cliques e vendas nas bancas.
Cooper Hefner é descrito pelos empregados atuais e antigos como tendo uma visão progressista e pansexual para a Playboy, que poderia assegurar um futuro para sua geração e além, passando por uma reformulação hipster em 2015, que removeu a nudez das páginas da revista.
Sob sua direção (ele se recusou a ser entrevistado para este artigo), a revista contou com uma modelo transgênero em uma de suas capas pela primeira vez em 64 anos de história.
— É a coisa certa a se fazer. Estamos em um momento em que os papéis de gênero estão evoluindo — disse ao Times à época.
Mas não na 42nd Street, onde pelo menos nesta temporada serão preservados em âmbar e cetim.
Por Shawn McCreesh