Carregando seu contrabaixo acústico, Weslei desce dois lances de escada, atravessa a rua e uma grande praça. Em apenas cinco minutos, está diante do Conservatório de Música de Genebra, um prédio de 1835 localizado bem no centro da cidade. A rotina é bastante diferente daquela vivida um ano atrás, quando saía de casa no bairro Guajuviras, em Canoas, pegava um ônibus, um trem e percorria mais 15 minutos a pé para chegar à Escola de Música da Ospa, onde estudou e foi descoberto por um dos mais renomados mestres do contrabaixo acústico do mundo, o italiano Alberto Boccini.
Weslei Felix Ajarda, 19 anos, foi selecionado em 2017 para estudar na Escola Superior de Música de Genebra, na Suíça. Boccini é seu tutor e ministrou aulas semanalmente ao jovem ao longo do último ano.
A história do músico da periferia de Canoas mobilizou o Rio Grande do Sul desde que foi conhecida, em 2013. Weslei tinha 14 anos quando leu no jornal Diário Gaúcho que a Ospa estava selecionando jovens para estudar música. Ele se encantou pelo contrabaixo acústico e logo mostrou talento. O sonho, naquela época, era tocar em uma orquestra.
A história comoveu um jornalista do Rio de Janeiro que doou o instrumento ao garoto. Dois anos e muito estudo depois, Weslei viveu uma das noites mais importantes de sua vida: por ter sido escolhido o melhor aluno da Escola de Música da Ospa, tocou ao lado da orquestra.
A dedicação e o talento do menino chamaram a atenção de Boccini, que o chamou para ser um de seus 15 alunos em Genebra. Para viver na Suíça, um dos países mais caros da Europa, Weslei fez uma vaquinha, mobilizou gente de todo o país – do filósofo Leandro Karnal ao ex-técnico do Grêmio Roger Machado – e conseguiu arrecadar recursos para se manter até que uma prometida bolsa de estudos chegasse.
— Fiz o dinheiro virar dois. Fui com verba para passar um semestre, até que a bolsa de estudos saísse. Mas as regras do conservatório mudaram, e a bolsa acabou não chegando ainda — conta.
O apoio financeiro deve se concretizar em setembro, mês em que Weslei inicia o segundo dos três anos de estudos de curso. Para manter-se com o pouco recurso que tinha nos primeiros meses 12 meses na Europa, o guri do Guajuviras correu atrás e tocou com diferentes orquestras.
O trabalho como freelancer lhe garantiu, além da renda extra, importantes experiências: ele foi chamado para atuar em orquestras como a Suisse Romande, fundada em 1918, e se apresentou em um dos mais emblemáticos teatros de Genebra, o Victoria Hall.
— Foi um dos momentos mais incríveis da minha vida. O Victoria Hall é majestoso, grandes orquestras já tocaram naquele palco. Foi emocionante. E tudo isso só no meu primeiro ano na Suíça. Além disso, essas participações me rendiam cachês, que foram um alívio. Fui chamado diversas vezes (em um ano). Foi a minha sorte. Fiz quase um concerto por mês como freelancer — comemora.
Ouça a entrevista de Weslei à Rádio Gaúcha:
Aluno promissor
Na Suíça, Weslei vive em uma casa para estudantes evangélicos.
— O ambiente é muito tranquilo. Todo mundo estuda muito. Não tem aquela coisa de “vou ali com o meu parceiro”. A galera fica dentro do quarto mesmo, assim como eu – explica.
O quarto é simples: uma cama de solteiro, um roupeiro e uma escrivaninha recheada de partituras. No centro do quarto, o contrabaixo acústico que a escola emprestou até que ele possa ter o seu. É nesse cômodo, no terceiro andar do prédio, que o guri estuda. E repete todas as lições aprendidas nas aulas. Precisa evoluir a cada semana.
O professor de Weslei, Alberto Boccini, segue incentivando o crescimento do menino. Um luthier (artesão que produz instrumentos) italiano pediu a Boccini a indicação de um aluno para oferecer-lhe a oportunidade de encomendar um contrabaixo. Weslei foi o escolhido. Mas, se mal tinha dinheiro para manter-se na Europa, adquirir um instrumento seria impossível. O técnico de futebol Roger Machado entrou em cena novamente e custeou parte do novo contrabaixo. O valor restante foi negociado com o luthier, que estabeleceu duas condições: Weslei nunca poderá vender o instrumento e pagará o que falta depois de formado.
— Foi muito gratificante porque o luthier conheceu a minha história e ele é muito reconhecido, é um cara muito detalhista. Adquirir um contrabaixo dele é incrível. Ele só oportunizou essa forma de pagamento por acreditar que eu posso seguir adiante e ter sucesso. Vou pagar por esse instrumento com muito orgulho – diz, emocionado.
O aprendizado do idioma francês também evoluiu. Agora, de férias no Brasil, Weslei já apresenta um leve sotaque. O cabelo ganhou um corte estiloso. O sorriso alto e largo ainda comove. Quando fecha a cara, é porque está concentrado no instrumento. O menino, antes franzino, já é maior do que o contrabaixo que ganhou em 2013.
— Esse contrabaixo está comigo hoje. Quero emprestá-lo a um aluno da Ospa. Quero fazer esse ato de emprestar para alguém que tem o mesmo sonho que eu. Não vou dá-lo. Não me sinto no direito de dar esse contrabaixo porque foi um presente e marcou a minha vida. Marcou um período em que eu precisava muito estudar — lembra.
Até setembro, ele fica na casa dos pais, no Guajuviras, matando a saudade da família e da namorada, entre um freelancer e outro que já arranjou pelo Sul. A meta é juntar dinheiro para a passagem de volta ao sonho de terminar os estudos. Na mala, os documentos para finalizar o encaminhamento da bolsa. Na Suíça, encontrará o novo contrabaixo. Aquele que Weslei diz que será para sempre seu.