Weslei cresceu. Com 1m88, a altura do jovem de 18 anos já ultrapassa a do contrabaixo acústico, instrumento que escolheu tocar em 2013, e que, na época, era maior do que ele. Não só a estatura o diferencia do menino de 14 anos vindo do bairro Guajuviras, em Canoas, que, quatro anos atrás, pisou no Conservatório Pablo Komlós da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre para ter aulas de música. Weslei Felix Ajarda subiu alguns degraus também na trajetória musical.
No final de agosto, ele embarca para estudar como bolsista na Escola Superior de Música de Genebra, na Suíça, uma das mais renomadas do mundo. Por três anos e meio, ele vai ter aula com músicos da mais alta qualidade. Depois de se graduar lá, Weslei tem o potencial de se apresentar com as melhores e maiores orquestras do planeta.
A preparação especial para este momento surgiu há mais de um ano. Assim como um dia ele encantou o contrabaixista da Ospa Eder Kinappe, Weslei surpreendeu o italiano Alberto Bocini, um dos grandes solistas do instrumento da atualidade. Bocini observou o gaúcho em janeiro do ano passado durante o Festival Internacional de Música, em Pelotas, e viu que ele tinha uma técnica estruturada e aprendia muito rápido. Naquele período, o italiano conversou com o professor de Weslei, Eder, e convidou o garoto. Ele revelou o convite a Weslei no caminho de volta a Porto Alegre, enquanto escutavam um CD de Bocini no carro.
– Eu diria que é uma façanha – comenta Eder.
– Era o sonho da minha vida, o sonho da vida do meu professor e que nenhum de nós conseguiu realizar. É para poucos.
A primeira coisa que Weslei fez foi contar a novidade para a família. Filho de um metalúrgico e de uma operadora de telemarketing, o caçula será o primeiro na casa a fazer um curso superior e a viajar de avião. Weslei diz que não tem muito medo da viagem: "É um transporte seguro". O embarque vai causar frio na barriga por ser, finalmente, a concretização de um sonho.
– Cheguei, estava todo o mundo tomando chimarrão na frente de casa e logo já falei: "Fui convidado para estudar fora do Brasil, estou passando por uma nova fase e espero a compreensão de todos". Teve a preocupação dos meus pais, eles disseram que eu ia passar por momentos difíceis, sentiria saudade, colocaram meus pés no chão e lembraram que eu tinha metas a serem atingidas – recorda o contrabaixista.
Weslei continuou trabalhando duro. Precisava participar de uma seleção para entrar na escola, comprovando sua qualidade técnica. Enviou os vídeos para a Suíça e recebeu por e-mail, semanas depois, a notícia que havia sido aceito. Começou aulas de francês em fevereiro deste ano, três vezes por semana, com professora particular e em uma escola da Capital.
A perseverança e a paixão de Weslei pela música emocionam quem ouve a história do menino, que antes tocava baixo elétrico em uma igreja perto de casa. Depois de ler uma notícia de que a Ospa selecionava jovens para a escola, inscreveu-se achando que iria encontrar lá o instrumento com o qual estava acostumado nos cultos. O novo, que lhe esperava, era maior, totalmente desconhecido, mas nem por isso menos fascinante.
A partir de então, empenhado, começou uma nova história na música e ganhou visibilidade pelo Brasil, chamando a atenção de pessoas desconhecidas que queriam ajudá-lo a seguir seus sonhos. Tanto é que uma vaquinha na internet para arrecadar R$ 50 mil (o valor que ele precisa para se manter na Europa enquanto a bolsa de estudos não é repassada pela escola), já havia arrecadado no final da manhã desta sexta-feira (28) mais de R$ 17 mil.
Roger Machado e o encontro inesquecível
O primeiro contrabaixo que Weslei ganhou foi de um morador do Rio de Janeiro que se comoveu com sua história. O instrumento foi essencial para que Weslei mantivesse a rotina de estudos de cinco a seis horas por dia em casa, seguindo o plano de Eder.
Mas o contrabaixo recebido em 2013 já não acompanha mais seu talento e nível de habilidade. Para músicos profissionais, os pequenos detalhes da confecção e do material fazem a diferença. Hoje, ele utiliza durante as aulas o contrabaixo do seu professor.
– O músico vai avançando e o instrumento não dá mais conta da demanda, da técnica. O Weslei está tocando em um nível tão alto que ele precisa trabalhar nuances e timbres de patamares elevados – explica Eder.
Em um dia do inverno de 2016, enquanto praticava no seu quarto, Weslei recebeu um telefonema inesperado. Era Camile, mulher de Roger Machado, ex-jogador de futebol e então treinador do Grêmio. O garoto foi convidado para um jantar na casa onde a família de Roger morava, em Porto Alegre. Queriam conhecê-lo melhor depois que o técnico leu sobre a trajetória de Weslei na revista de uma companhia aérea, durante voo de retorno à Capital depois de um jogo.
– Eu olhei e era, coincidentemente, o instrumento que tocava meu pai. Eu fechei a revista, mas aquilo ficou me incomodando. Quando eu vi que ele era de Canoas, do Rio Grande do Sul, pensei: "Vou fazer um contato" – rememora Roger.
Quando ainda era jogador do Grêmio, na década de 90, Roger recebeu uma surpresa no Estádio Olímpico. Um amigo da família guardara uma foto de seu pai, segurando o contrabaixo, em uma banda de jazz. Ele deu a fotografia em preto e branco para Roger, que tinha poucas fotos do pai, Gilberto Marques, com o instrumento.
– É uma das mais preciosas recordações que tenho–diz.
À casa de Roger, na Zona Sul, Weslei levou o contrabaixo para uma pequena apresentação. Foi naquela ocasião que o treinador contou a história da sua família, do seu pai, da influência da música na sua vida, e se colocou à disposição para ajudar Weslei com o que fosse preciso, especialmente, para adquirir novo instrumento. Os detalhes disso, eles devem acertar antes de Weslei embarcar para a Suíça.
– O Roger entrou na minha vida em um momento crucial. Ele disse que queria me ajudar de alguma forma e isso me tocou, consegui ver de novo onde minha história estava chegando. Ele falou algo que me marcou muito: que quando a "sorte bateu a minha porta, eu estava com o contrabaixo na mão, pronto para ela" – conta Weslei.
Roger, que na semana passada deixou o posto de técnico do Atlético-MG, gosta de ressaltar as semelhanças entre o esporte e a música, que chegam a fazer parte de seus discursos motivacionais dentro do vestiário. Com uma foto de uma orquestra, ele diz aos jogadores que, assim como em um time, cada instrumento e cada pessoa tem o seu papel:
– Eu vejo uma ligação muito próxima. Para mim, um solo de contrabaixo como a que o Weslei proporcionou lá em casa é tão bonito quanto como uma bela jogada finalizada com um gol por um jogador habilidoso.