Melodias de compositores como Beethoven e Johann Sebastian Bach ressoaram no auditório da Cadeia Pública de Porto Alegre — conhecida como Presídio Central — nesta sexta-feira (10). Em uma iniciativa da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) em parceria com a Brigada Militar e o governo do Estado, estudantes de música apresentaram peças dos períodos barroco, clássico e romântico para dezenas de apenados com o objetivo de não apenas promover um contato com o público para os jovens instrumentistas, mas também mostrar que a boa música pode levar a momentos de alegria onde quer que seja tocada.
Diante de uma plateia formada por integrantes de cada uma das galerias do Presídio Central, quatro alunos de trompete na Escola de Música da Ospa apresentaram um recital compacto. O evento integrou a programação de dois projetos culturais e sociais: o Direito no Cárcere, voltado a detentos em tratamento de dependência química, e o Escola da Ospa na Comunidade, que já levou músicos em formação a tocarem em escolas, hospitais, lares de idosos e centros de assistência, entre outros.
— Em uma hora como essa se vê que a gente consegue, através da música, quebrar barreiras, derrubar preconceitos e promover a inclusão — definiu a advogada Carmela Grüne, coordenadora do projeto Direito no Cárcere.
No palco, os alunos do trompetista da Ospa Tiago Linck mostraram um apanhado variado de peças, que foram de Bach e Beethoven a um tango do espanhol Isaac Albéniz e à melodia que ficou conhecida na voz de Elvis Presley com a canção Love Me Tender. Ao fim de cada música — e foram sete diferentes ao todo —, a plateia reagia com palmas entusiasmadas, ao que os músicos respondiam se curvando em sinal de apreciação.
— Eu sempre tento transmitir a importância do que eles ensaiam em sala de aula quando aquilo sai do ambiente escolar. Em um momento como esse, eles entendem o real motivo de tudo o que fazem. E isso é fundamental para um aluno — avalia Linck.
Bis contou participação da plateia
E, não bastassem as palmas, os integrantes da Ospa logo receberam outro sinal de aprovação: uma escultura feita por um dos apenados em homenagem à apresentação. "Em agradecimento à Ospa, por nos dar o privilégio de sua visita", escreveu o autor em uma placa enquadrada entre as representações de um trompete e de um violoncelo com seu arco.
— Isso aqui é lindo! É um presente muito especial para nós — celebrava o superintendente administrativo da Ospa, Rogério Beidacki.
A apresentação foi encerrada com uma adaptação da marcha turca de Beethoven. Mas os estudantes logo tiveram sua presença no palco prolongada: incitada por Carmela, a plateia pediu bis. Por mais que seja de praxe chamar de volta ao palco, com palmas, os responsáveis por um bom concerto para pedir que toquem um pouco mais, os aspirantes a músicos não estavam preparados para essa demanda. A solução foi tocar novamente alguma das peças antes apresentadas. Mas qual?
— Beethoven!
— A penúltima!
— A última!
Diante do impasse, o professor decidiu que o bis seria das duas últimas músicas. Desta vez, porém, com uma mudança: haveria participação da plateia na derradeira das peças.
E assim os apenados voltaram a bater palmas, agora durante a música, para acompanhar os trompetistas — em uma harmonia um tanto dissonante, é verdade, mas capaz de envolver músicos e detentos em compassos semelhantes.
— A busca de atividades assim é incessante aqui na Cadeia Pública de Porto Alegre. E promover um evento como esse da Ospa traz um benefício muito grande. Além do entretenimento, que causa alívio e pensamentos positivos, também traz pessoas para conhecer esse espaço e resulta em um trabalho de tratamento penal, que faz parte da reinserção deles na sociedade — defende o tenente-coronel Marcelo Gayer, diretor do presídio.
Considerada bem-sucedida por todos os envolvidos, a iniciativa deve entrar no calendário anual da orquestra. Em 2018, o objetivo é levar a Camerata da Ospa Jovem, com um número consideravelmente maior de integrantes e maior variedade de instrumentos, para se apresentar no auditório do espaço.