
Linha, traço e risco. Uma trindade para a liberdade de expressões guardadas em um dos lugares mais estigmatizados pelas sombras: o Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), em Porto Alegre. Nesse ambiente em que a ignorância considera improvável para a arte, uma exposição expressionista abre as portas nesta terça-feira (10). São trabalhos de internos do IPF que vêm sendo desenvolvidos desde junho com supervisão do artista plástico Aloizio Pedersen, idealizador da oficina Artinclusão, projeto em andamento também na Escola Estadual Padre Reus e na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Rio Grande do Sul (Fase) há quatro anos. Esta será a primeira demonstração ao público dos efeitos da arte no cotidiano e na saúde dos que estão no IPF e quiseram, por vontade própria, aventurar-se em papéis, tintas, pincéis e telas.
— É nossa primeira grande exposição para mostrar ao Rio Grande do Sul que é possível outro tipo de atendimento a essas pessoas. É, com esses trabalhos, tirar aquele ranço com a saúde mental e mostrar que a pintura tem um princípio ordenador da mente humana. Os trabalhos são simplesmente fantásticos — celebra Pedersen.
A oficina no instituto foi autorizada pela Vara de Execução das Penas e Medidas Alternativas, que disponibilizou verba para a atividade por até um ano. Os quadros - cerca de 50 - estarão à venda exatamente para que o dinheiro arrecadado possa bancar o prosseguimento do trabalho, que envolve cerca de 20 internos de diferentes idades, entre homens e mulheres.

Os encontros ocorrem uma vez por semana, com duração média de duas horas, e são acompanhados pelas equipes de psicólogos, assistentes sociais e professores que atuam no IPF. Os reflexos da experiência e de outras ações de ressocialização transcendem às aulas semanais e aparecem em outros projetos consolidados na instituição, que celebra, por exemplo, o resultado do Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos e de Cultura Popular (NEEJAC) no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cujo desempenho assegurou a certificação do Ensino Médio a alguns internos.
— A arte é libertadora. A gente observa que eles assumem outra atitude. Quando estão na oficina, deixam de ser pacientes para serem artistas. É algo impressionante — conta a assistente social Adriana Feijó, coordenadora do Departamento de Desinstitucionalização, setor responsável pela organização do retorno dos pacientes à sociedade.
Um veterano na arte da inclusão
Aloizio Pedersen não é um novato na arte de desfazer barreiras que separam determinados lugares e seus frequentadores da criação artística. Há quatro anos, ele desenvolve trabalho semelhante com menores infratores da Fase e não abandonou a base experimental onde o projeto nasceu, a escola Padre Reus, na zona sul de Porto Alegre. Ao conhecer o IPF, o artista plástico reviveu a angústia de uma visita ao antigo leprosário de Itapuã nos anos 1970. Tinha ali, o mesmo apartamento (seria melhor afastamento??) social imposto aos que sofriam de hanseníase naqueles tempos. O problema era outro, mas a postura da sociedade se mantinha.
— Fui para a igreja São José chorar — relembra Pedersen, referindo-se ao templo que faz vizinhança com o instituto penal, na Avenida Bento Gonçalves.
A exposição, que começa no Dia Internacional da Saúde Mental, segue aberta à visitação até 10 de novembro, mas a galeria será permanente, aos moldes do Museu das Imagens do Inconsciente, idealizado pela artista plástica Nise da Silveira (1905 -1999) no Rio de Janeiro. A inauguração ocorrerá dentro do Territórios da Liberdade, evento com apresentações de outros trabalhos desenvolvidos com os 164 internos do IPF, como os projetos e construções daqueles que participam do curso de aprendizagem de auxiliar de escritório, parceria com o Instituto Masper e Renapsi. O Grupo D Loucos por Música, também formado pelos pacientes do instituto, fará apresentações musicais durante o dia. Alguns deles participarão de mesas de debates e pinturas ao vivo.
Territórios de Liberdade
Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso (Avenida Bento Gonçalves, 2.850 - Partenon)
Abertura: 10 de outubro, das 9h às 17h30min
Visitação: Até 10 de novembro, às sextas-feiras, das 9h ao meio-dia