Quem tem filhos sabe: mais cedo ou mais tarde, chega aquele momento em que o coração aperta mas não tem jeito, é hora de deixá-los sozinhos em casa. Seja por necessidade ou por opção, uma hora, os pequenos vão se ver como donos do campinho e encarar a responsabilidade de se virar longe do olhar dos pais. Mas a pergunta que tira o sono de muitos adultos é: afinal, qual a hora certa de permitir que a criança fique sem a supervisão de ninguém?
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A psicóloga Adriana Figueiredo ajuda a esclarecer essa dúvida e aponta os benefícios dessa experiência para o desenvolvimento da gurizada, mas alerta para os cuidados necessários na hora de soltar a corda.
E se já difícil com um filho, imagine com dois! É o caso da instrutora de trânsito Gabriela da Rocha Cardoso e do marido, o microempresário Daniel Clemes Maria, pais de um menino e de uma menina que já estão acostumados a ficar sozinhos em casa. Mas com regras!
Orientados pela intuição
A psicóloga Adriana defende que a primeira coisa que os pais têm de fazer na hora de decidir se o filho está pronto para ficar sozinho em casa é ouvir a sua intuição e observar o comportamento da criança:
– É fundamental conhecer o filho para perceber o momento certo. Não pode ser uma coisa imposta. Não adianta querer resolver um problema, satisfazer uma necessidade se a criança não está pronta. Se for muito pequena e imatura, vai se expor a riscos e a situação pode fugir do controle. Só conhecendo muito bem o filho será possível tomar essa decisão com segurança e tranquilidade.
Para a especialista, por volta dos 12 anos, já é possível começar a fazer pequenos testes, por períodos curtos de tempo:
– Situações mais rápidas, como um cinema, uma festa, um compromisso, enfim, situações pontuais podem ser boas oportunidades. Mas é importante dizer que sempre que for possível planejar com antecedência e ter algum responsável junto, melhor. Ainda que seja um irmão mais velho.
Mas se a ausência dos responsáveis for por mais tempo, como no caso de uma viagem, a coisa muda de figura. Aí, o conselho é que só no final da adolescência eles ganhem sinal verde e sob algumas condições:
– Lá pelos 16 ou 17 anos é quando eles já têm uma maturidade maior e noções de causa e efeito, de consequências. Compreendem o que são situações de risco e sabem como evitá-las. Mas ainda, assim, nesse caso, é indispensável uma combinação prévia com familiares ou adultos responsáveis que sejam referência e que possam estar disponíveis em caso de emergência.
Coordenadora do Conselho Tutelar de Porto Alegre, Jurema Louzada Alves alerta que nenhuma criança deve ficar sozinha sem um responsável junto.
– Mesmo que seja por 30 minutos, se acontecer alguma coisa com essa criança, os responsáveis vão responder judicialmente por abandono de incapaz – aponta a conselheira.
Autonomia e confiança
Indo ao encontro do que orienta a psicóloga, Gabriela, 36 anos, e Daniel, 34, do bairro Nonoai, em Porto Alegre, se basearam na autonomia do primogênito, Gabriel, 13 anos, para começar a deixá-lo sozinho em casa, há dois anos.
– Ensinamos ele a fazer tudo em casa, desde pequeno. Tirar o lixo, arrumar o quarto, então, ele sempre foi muito independente. Quando percebemos que ele aprendeu a mexer no micro-ondas e entendeu que não podia sair pra rua nem mexer no fogão, começamos a deixar. Ele pedia pra não ir mais nos churrascos que íamos na casa de amigos ou dos meus pais, pertinho de casa, e então deixamos que ele ficasse sozinho _ conta a mãe.
Com a experiência de Gabriel, foi mais fácil deixar a caçula, Lavínia, 10 anos, sob os cuidados do mano mais velho.
– Mas ela é mais limitada. Não deixamos que saia na rua, nem vá no mercadinho, nem atenda à porta, coisas que hoje ele já faz. E eles não são crianças que desobedecem ou nos desafiam, então, temos confiança e tranquilidade para sair. Mas estamos sempre no telefone com eles, seja em ligação ou pelo whatsapp.
Para Daniel, trata-se de uma questão de amadurecimento:
– Um dia eles vão ter que se virar sozinhos, então, uma hora têm que começar.
A psicóloga concorda:
– Uma coisa muito boa é que fortalece o vínculo de confiança entre pais e filhos e o desenvolvimento da autonomia dessa criança. Viver essa experiência é algo que ele vai levar pra vida toda, porque ele vai crescer e ter que se virar. É prepará-lo para os desafios que virão.
Mas Daniel reconhece que ter uma rede de apoio por perto faz diferença quando o assunto é a tranquilidade dos pais:
– No nosso caso, é mais fácil porque temos a segurança de ter os avós morando a uma quadra da nossa casa.
Parceria na aventura
Gabriel reconhece que os pais já foram mais inseguros, mas diz que, agora, a família roda já se acostumou com a rotina imposta pelo ritmo de trabalho do casal:
– Antes, eles tinham bastante medo por causa da violência de hoje em dia. E repetiam dez vezes tudo que não podíamos fazer, sem contar que ligavam a cada dez minutos. Mas hoje estão bem mais tranquilos. Tem vezes que nem ligam mais.
Apesar da pouca idade, Lavínia já analisa os prós e os contras:
– A parte ruim de ficar sozinha é que não temos tantos momentos em família, porque eles trabalham muito. Mas a parte boa é que, sem eles, posso fazer coisas como ler ou brincar com os cachorros, porque, quando estão em casa, eles me mandam fazer outras coisas como tomar banho.
E ter a proteção do mano mais velho só faz a experiência ser ainda melhor:
– Nunca senti medo porque sei que o meu irmão está comigo e que, se precisar de qualquer coisa ele faz ou liga para alguém.
Sinal verde
De acordo com o comportamento e personalidade da criança, é possível ter noção se ela está pronta para ficar sozinha em casa.
/// Tem autonomia e segurança
/// Entende o que são situações de risco
/// É obediente e responsável
/// Se mostra confiante e tranquila diante da ideia de ficar sozinha
Sempre alerta
Algumas precauções vão tornar a experiência mais tranquila e deixar os pais mais seguros na hora de deixar os filhos sozinhos em casa.
/// Diálogo é fundamental. Explicar muito bem qual a situação, o que vai acontecer, onde vai estar e por quanto tempo ficará fora.
/// Ter disponível um número de telefone para emergência.
/// Deixar de sobreaviso um adulto de referência que more próximo, como um vizinho ou um familiar a quem a criança possa recorrer.
/// Combinar regras não fazer comida, não mexer com fogo, não atender estranhos na porta e cuidar com quem fala ao telefone – jamais dizer a desconhecidos que está sozinho.