Pelo menos 74 animais foram identificados com tuberculose bovina no Pampas Safari entre 2003 e 2017, conforme relatório feito pelo Ibama e pela Secretaria Estadual da Agricultura (Seapi). Ao longo de 14 anos, a doença foi detectada de duas formas em cervos, lhamas, bovinos, búfalos e anta.
Os primeiros registros foram feitos a partir de necropsias em exemplares mortos encomendadas pela gestão do parque, com emissão de laudos pelos laboratórios da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de São Paulo (USP), Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF) e outros dois privados, o Pathos e o Axys, ambos de Porto Alegre. A segunda maneira foi por testes em animais vivos, com as técnicas da tuberculina e do exame de sangue (TCR). Eles foram realizados pela Seapi e pela então responsável técnica do Pampas. Resultados positivos foram encontrados em todos os métodos.
– A soma de positivos, em diferentes espécies, é elevada. É o que temos documentado, mas a quantidade de animais testados não chega à metade do plantel de cervos. Só não é mais grave a situação, no sentido de uma mortalidade explosiva, por causa das características da tuberculose bovina, que é doença de evolução lenta – diz Rodrigo Etges, médico veterinário e fiscal agropecuário da Seapi.
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Antes de 2003, não há informação documentada sobre vítimas da doença no plantel do parque, fundado em 1977 em uma área de 320 hectares em Gravataí, na RS-020. Ibama e Seapi argumentam que tomaram conhecimento da mortalidade causada por tuberculose bovina somente em 2013, após denúncia feita às autoridades pelo então responsável técnico do parque. Segundo os órgãos, o Pampas informava em relatórios anuais os balanços de mortes e nascimentos no local, mas deixava de registrar a causa específica dos óbitos.
Ao tomar conhecimento da denúncia em 2013, os fiscais foram ao Pampas em março e constataram os problemas. A partir daí, com informações do denunciante, procuraram as instituições que fizeram necropsias em animais mortos para solicitar os laudos. Um documento, obtido por Zero Hora, foi organizado por Ibama e Seapi para arquivar os resultados de testes de laboratório.
O primeiro laudo é de 4 de novembro de 2003: um cervo da espécie sambar foi encontrado morto e, na necropsia, o médico veterinário da UFRGS que assina o documento aponta "tuberculose" como causa do óbito (veja na imagem). Casos semelhantes seguiram por mais de uma década.
Depois da fiscalização de 2013, o Pampas ficou pouco mais de três meses interditado. Recebeu autorização do Estado para reabrir mediante o cumprimento de normas. Em julho de 2013, com uma coleta de sangue, o parque identificou que, dos 86 cervos examinados, 28 deram positivo para a tuberculose bovina. Os testes de tuberculina em animais vivos, iniciados em outubro de 2013, são considerados mais eficazes do que os de coleta de sangue.
Em abril de 2015, a responsável técnica do Pampas, funcionária do parque, aplicou a técnica em 15 cervos. Oito deles estavam com tuberculose bovina e foram abatidos. As informações constam em atestado preenchido e assinado pela então responsável (veja abaixo). Dos sete saudáveis, dois foram vendidos para compradores externos, com autorização dos órgãos de fiscalização.
Em agosto de 2014, a Seapi enviou documento de sete páginas (confira a íntegra) aos gestores do parque requerendo providências em quesitos como cercas precárias, ausência de controle populacional, fármacos de qualidade inferior para tranquilizar e anestesiar animais e carga horária insuficiente de funcionários. Como não houve solução, o Ibama cancelou a licença de funcionamento do Pampas em 14 de junho de 2016. Na mesma época, os órgãos de controle apresentaram ao Ministério Público Federal elementos para a abertura de um inquérito civil sobre o caso. A investigação segue em curso atualmente.
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Com as portas fechadas, a família Febernati, dona do parque, passou a discutir o que fazer com os cerca de 500 animais que restaram no Pampas. Em fevereiro de 2017, os proprietários apresentaram laudos assinados por um médico veterinário, após testes de tuberculina, que indicavam ausência de tuberculose bovina em 284 cervos. Com o documento indicando ambiente saudável entre os cervídeos, a intenção era comercializar o plantel para levar adiante o esvaziamento do parque.
Os órgãos de controle não aceitaram os exames porque eles teriam sido feitos com a técnica usada em bois, inadequada para os cervos, o que poderia ter gerado "falsos negativos". Além disso, a fiscalização alegou que não foi chamada para acompanhar os testes.
Com mais um impasse e sem a possibilidade de vender os animais por não conseguir separar os doentes dos sadios, a família Febernati apresentou, em abril de 2017, o "plano de encerramento do empreendimento Pampas Safari" (confira o documento na íntegra). O documento requeria o abate de todo o plantel de cervos e capivaras. O Ibama concordou com o sacrifício dos cervos, mas rejeitou o das capivaras por se tratar de espécie nativa.
A tendência é de que o caso se estenda. O imbróglio dos cervídeos é apenas o primeiro. Será preciso definir o destino de capivaras, lhamas, hipopótamos, macacos, aves, entre outros.
A reportagem tentou contato com a família Febernati, que não se pronunciou até o momento.
Em 14 anos, foram documentados 74 casos de tuberculose no Pampas:
Cervo sambar: 28
Cervo nobre: 17
Cervo dama: 12
Bovídeos: 8
Lhama: 6
Camelo: 1
Anta: 1
Antílope: 1