Contratado pela prefeitura de São Leopoldo para fazer 30 palestras nas escolas municipais sobre o bullying ao custo de R$ 80 mil, o jornalista e escritor Fabrício Carpinejar acabou engolfado por uma polêmica que está sendo potencializada nas mídias digitais. Na sexta-feira (8), o juiz Ivan Fernando de Medeiros Chaves suspendeu o contrato liminarmente. Ele requereu à prefeitura informações e documentos que justifiquem o fato de a contratação ter sido feita com inexigibilidade, uma dispensa de licitação prevista em lei.
Para o juiz, não foi demonstrada "justificativa plausível para a decretação de inviabilidade de competição". Apesar do desgaste, Carpinejar assegura que não irá desistir de levar o ciclo de palestras até o fim.
Isso já tinha acontecido contigo?
Nunca tinha acontecido, é a primeira vez. Não tem nada de irregular no contrato, o preço está muito abaixo do que eu cobro justamente porque é um pacote de 30 palestras. São R$ 2,1 mil por palestra. Tu acabas sendo mergulhado numa polêmica involuntária. Meu trabalho na educação é conhecido, eu tenho até um projeto, o Poesia Cheia de Graça, que faço gratuitamente. Uma vez por mês, visito uma escola sem custo nenhum (na foto, em Sapucaia, em junho). A escola só precisa mandar um email pra mim (poesiacheiadegraca@gmail.com).
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A prefeitura te procurou para propor o ciclo de palestras?
Eu fui solicitado porque a situação da rede municipal precisa de cuidados. Tivemos episódios recentes de suicídio, de violência. Temos um quadro nacional de violência e de agressão ao professor. Eu tenho um trabalho anterior com o governo do Estado, que é o Educar Sem Discriminar, que foi feito em 2014. Foi a primeira vez que o governo estadual adotou um programa de combate ao bullying. Me procuraram pelo meu histórico, de alguém que sofreu bullying e deu a volta por cima.
Com a polêmica instalada, é possível identificar que pessoas estão debochando, algumas de forma agressiva, da tua aparência em redes sociais e caixas de comentários de sites de notícias. É desgastante?
Causa assombro. Acaba mostrando o quanto as pessoas fazem bullying digital, debochando da minha aparência, da minha forma de falar. As pessoas esquecem que tem uma família por trás, uma formação profissional, uma carreira.
Surgiram questionamentos sobre a tua capacitação para falar sobre bullying. Como avalia?
Eu sou jornalista, tenho pós-graduação em Letras. Trabalhei 10 anos na Unisinos. Tenho mais de mil palestras. Tenho currículo de aproximação com o público infanto-juvenil. Tenho 40 livros publicados. Pelo menos dez deles tratam da discriminação. Tenho conhecimento da realidade de São Leopoldo, morei na cidade por 13 anos. Meu filho nasceu em São Leopoldo.
A questão do bullying ainda é percebida por parte da sociedade como vitimismo e algo secundário?
O bullying não é brincadeira. É crime. Destrói vidas. Destrói reputações. Eu tento sair do vitimismo, do coitadismo. A gente não ajuda ninguém mistificando o sofrimento. Pelo contrário. Tento contrabalancear com as virtudes e qualidades da pessoa. Ajudar a encontrar uma forma de reagir e partilhar as experiências. Se imaginarmos o bullying como secundário, não teremos solução para a educação.
Uma das críticas que surgiram é que o ciclo de palestras foi contratado por R$ 80 mil enquanto a prefeitura parcela salários de servidores. Como avalia?
Não é porque a situação está difícil que vamos deixar de acender uma vela. Temos de colocar um pouco de luz. Se essa verba pudesse ser usada para pagar o funcionalismo, ok. Mas não pode. É uma rubrica para capacitação dos professores, específica para isso. Não tem como usar para outras coisas.
Das 30 palestras, 11 já ocorreram. A tua ideia é ir até o fim ou, depois de ser envolvido nessa polêmica, está pensando em desistir?
A gente não vai abandonar o projeto. É uma questão de explicar ao juiz, que vai decidir com o seu discernimento. Tudo foi visível, tudo foi mostrado. As pessoas conhecem a minha capacidade. Podem até discordar do meu trabalho, mas reconhecem minha capacidade. Eu estou enquadrado na inexigibilidade. A dispensa de licitação é prevista em lei. O juiz está pedindo a comprovação da inexigibilidade. É questão de demonstrar porque só eu poderia fazer esse trabalho. É algo que a prefeitura pode informar. O juiz não está questionando nada a respeito do conteúdo das palestras. Ele pediu informações sobre a forma de contratação. A prefeitura queria alguém jovem, que possa usar uma linguagem coloquial. Alguém que consiga falar do YouTube, do Facebook, do Twitter. O bullying não é mais só presencial. A criança pode ser excluída hoje via web. E são coisas recentes, ninguém instrui a criança sobre como utilizar, o que ela pode ou não pode mandar no WhatsApp. Alguns adolescentes podem não ver as consequências de um nude enviado a um namorado ou a uma namorada e o que isso pode causar no futuro se vazar. As pessoas não tem ideia do sofrimento que existe no ambiente escolar.