O feriado do Dia do Trabalho foi "mágico" para Valdair José Rodrigues Simões, 41 anos. É que, no dia 1º de maio, a secretaria de Serviços Urbanos da Capital divulgou o vídeo da homenagem que fez ao gari e no qual ele canta Elvis Presley – seu maior ídolo – ao lado da banda Mother Funky.
– No dia em que toquei com a Mother Funky, foi mágico. Eu cantei, Deus me perdoe, afinadamente bem. E a banda tocou violentamente bem! – recorda o gari, que trabalha limpando as ruas da Capital sempre nas madrugadas.
Na gravação, Valdair, que mora junto da mãe no Bairro Partenon, Zona Leste de Porto Alegre, canta a música Tutti Frutti, sucesso do estadunidense Elvis Presley. O gari se tornou fã do "rei do rock" ainda criança e, de lá pra cá, a paixão pelo artista só aumentou.
– Eu curto uma gauderiada, um bom samba, pagode. Mas, o que corre no meu sangue, é o velho rock and roll. É o que corre na minha veia. Ele transmite o meu espírito, é minha alma – define, antes de listar seus outros ídolos: os estadunidenses Bo Diddley e Jerry Lee Lewis e o brasileiro Raul Seixas.
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Ao vivo no rádio
Valdair ficou conhecido em março deste ano depois de cantar Elvis Presley, ao vivo, na Rádio Gaúcha. Na noite de 18 de março, ele trabalhava limpando a Rua Padre Chagas, no Bairro Moinhos de Vento, depois das comemorações do St. Patrick's Day.
Pai de dois filhos – um rapaz de 24 anos, que mora em Porto Alegre, e uma jovem de 19, moradora de Viamão –, Valdair sabe que viver de música é muito difícil. Ainda assim, apresenta um fio de esperança pela área que tanto ama.
– Eu sou rockeiro, de coração. É a minha paixão. O meu sonho vive até hoje – admite.
E Valdair tem personalidade: apaixonado pelo rock and roll e fã do "rei do rock", não quer se tornar o novo Elvis.
– Eu não tento ser o Elvis Presley. Cada pessoa é única. Eu não sou o Elvis. Sou o Valdair – argumenta.
Do interior à Capital
Valdair é natural de Liberato Salzano, cidade localizada no Norte do Estado e distante cerca de 380km de Porto Alegre – terra de "cabra capinador, sofredor", como define. Aos sete anos, mudou-se para a Capital, onde estudou até a quinta série do Ensino Fundamental. Nesses anos todos, já tentou de tudo.
– Eu trabalhei desde cedo. Fiz curso de serígrafo (estampa em camisetas), tentei inventar minha marca. Já fui papeleiro, motoboy... Caí, virei mendigo. Hoje, tô na Cootravipa (empresa que presta serviços ao Departamento Municipal de Limpeza Urbana, o DMLU) – conta.
Há cerca de 20 anos, contudo, decidiu dar forma ao sonho de trabalhar com música. Ele, junto com o irmão e com um amigo, criou a banda Os Fumaças, "uma banda de rock à moda antiga" .
– A gente tocou em vários lugares por uns dez anos... Aí, meu irmão teve dois filhos, e a gente parou de fazer show. A banda existe, só parou de se reunir – diz.
Aula de canto
Não é só o público, porém, que reconhece o dom de Valdair para o rock and roll. Paulo Lírio, 35 anos, deu aulas de canto para o gari e tem boas lembranças do ex-aluno que, conforme o professor, vivia entusiasmado.
As lições foram dadas por cerca de dez meses, entre 2015 e 2016, na Academia de Música Prediger, Centro Histórico de Porto Alegre.
– Ele mostrou talento, carisma, afinidade. O que sempre passei foram alguns aprimoramentos – lembra-se.
Aliás, segundo Paulo, a veia do rock é tão forte em Valdair que, na hora de cantar outro gênero, era preciso um pouco de esforço.
– Quando ela ia cantar outras músicas, como MPB, eu dizia pra ele trazer mais a voz dele e deixar um pouco o rock... – explica Paulo.