Na cabeça dos consumidores, características como economia, segurança, regularidade e confiabilidade – antes orgulho dos Correios – têm deixado de ser sinônimo dos serviços da empresa. A estatal, que outrora podia se vangloriar de feitos superlativos como a "maior operação logística do planeta", de ter realizado o "maior concurso público da história do país" e de ser "a única empresa presente em 100% dos municípios do Brasil", hoje amarga prejuízos econômicos e à sua reputação, em meio à mais grave crise financeira de seus 354 anos de história. A estimativa é de que o balanço de 2016, que ainda não está fechado, apresente um prejuízo de R$ 2 bilhões.
Enquanto colocam em vigor medidas de redução de custos e de reestruturação da folha de pagamentos, os Correios vêm caindo no conceito de seus clientes – e de toda a sociedade. Reclamações sobre correspondências chegando atrasadas (quando chegam), encomendas extraviadas, entregas retidas e uma peculiar necessidade de, na alegada ausência de carteiros, o cliente ter de ir até um Centro de Distribuição buscar remessas em vez de recebê-las em casa têm se somado e minado a confiança que um dia se teve na empresa, que já foi considerada referência nacional e apontada como responsável por um dos melhores serviço postais do mundo.
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Para a presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), Maria Inês Capelli, a derrocada se iniciou no início dos anos 2000, quando "a história de contínua evolução dos Correios começou a sofrer abalos, decorrentes em grande parte da desprofissionalização da gestão da empresa". Denunciando um aparelhamento partidário – que teria passado por diversas siglas ao longo dos últimos anos –, ela afirma que o sucateamento da estatal se deve ao despreparo das pessoas indicadas principalmente para as posições de liderança.
–A situação que os Correios hoje vivem se reflete não só em empregados que sofrem, mas, principalmente, na sociedade, que não vem sendo bem atendida por uma empresa pública que já teve um serviço de qualidade – lamenta Maria Inês.
Em meio às reclamações dos cidadãos e os movimentos de readequação da empresa, os funcionários dos Correios também se mostram insatisfeitos. Eles advertem que o último concurso público foi realizado em 2011 e que, com cada vez mais funcionários se desligando da empresa, os carteiros têm ficado sobrecarregados de entregas. Segundo a empresa, estão previstas contratações emergenciais de profissionais temporários para o mês de abril.
– O que a população sente, a gente sente também. Estamos com dificuldades e não vemos perspectiva de que isso melhore – comenta Yuri Monteiro Aguiar, secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Correios e Telégrafos do RS (Sintect-RS). – Mesmo nas unidades onde há número adequado de funcionários, o cotidiano tem sido terrível. Falta efetivo, falta uma distribuição adequada do trabalho, falta tudo.
Entre o caos financeiro e o descontentamento de clientes e funcionários, a estatal anunciou um Plano de Demissões Voluntárias (PDV), o fechamento de agências e, na tentativa de se reerguer, também passou a atuar em outras áreas, como a telefonia móvel – iniciativas avaliadas como necessárias diante da percepção de que os antes admirados Correios viram sua reputação ruir até chegar ao fundo do poço em que se encontram hoje.
A direção espera que uma consultoria, contratada em novembro passado, ao custo estimado de R$ 29 milhões, possa apontar novos caminhos para uma readequação da empresa.
Para pagar as contas, visitas semanais à agência
Durante quase um mês, Sérgio Streda Ribeiro não soube o que era receber correspondências em casa. Morador do bairro Guarujá, na zona sul de Porto Alegre, ele passou a fazer visitas semanais ao Centro de Distribuição dos Correios mais próximo, em busca do que esperava receber em casa, como sempre aconteceu.
– As empresas pagam para os Correios entregarem. Por que eu tenho de ir lá buscar? Eu não sou carteiro – reclama.
Já acostumando-se a pagar as contas com a segunda via, obtida de forma online, Ribeiro descobriu que não bastaria ir atrás do que deveria receber em seu endereço: foi informado, no Centro de Distribuição, de que precisaria passar o nome da rua e o número de sua casa aos funcionários para só depois, em outro dia, ver se alguma correspondência endereçada a ele era encontrada.
Situação semelhante enfrenta a dona de casa Nilce Regina Cardoso. Com dificuldades de locomoção, a moradora do bairro Aberta dos Morros, também da Zona Sul, precisa deslocar-se até uma agência dos Correios nos dias que antecedem o pagamento das contas, para tentar encontrá-las a tempo de não perder a data de vencimento. Mas nem sempre consegue.
– Nunca passei tanto tempo com problemas em receber correspondências. Talvez só em período de greve dos carteiros, e olhe lá – afirma Nilce.
Sem computador em casa, ela depende da ajuda dos filhos para imprimir as contas, já que, há quase três meses, segundo relata, não as recebe na data prevista. Certa vez, conta que um funcionário dos Correios se apiedou de sua situação, prometeu separar as cartas e entregá-las à dona de casa pessoalmente. Mas, até hoje, ele não apareceu.