Após uma vida inteira dedicada a ajudar o próximo, o mais antigo Papai Noel de Caxias do Sul, Rubens Candeia, 95 anos, continuará servindo como exemplo de solidariedade mesmo depois de sua morte. Seu Candeia, como era conhecido, principalmente, nos bairros Marechal Floriano e Euzébio Beltrão de Queiróz, morreu na manhã de sexta-feira e deixou a cargo dos familiares a realização de sua última vontade: ter o corpo doado para estudos na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Ele estava internado há duas semanas no Hospital Pompéia e morreu em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC).
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A neta de Candeia, Michele Mendes Agostini, 38, conta que na entrada da casa do avô existe um quadro que determina o que deve ser feito "quando essa vela se apagar".
– É o testamento dele, com todas as orientações do que devemos fazer e de como seguir a vida sem ele. É neste papel que ele frisa o desejo de doar o corpo para a UCS. E, nós vamos cumprir com toda a alegria do mundo, porque ele é e sempre será o nosso maior exemplo de amor à vida e às pessoas – conta ela.
Natural de Lagoa Vermelha, Candeia fez da função de Papai Noel uma forma de alegrar as crianças carentes. Mesmo praticando o bem durante todo o ano, era no Natal que ele se realizava.
– Eu só tenho boas lembranças da minha infância convivendo com ele. Dezembro mal começava e a gente já ficava pela rua esperando a chegada do Papai Noel. Ele fazia isso com um amor que transbordava, entregava umas balinhas e sempre dava valiosos conselhos. A partida dele é uma perda enorme para a nossa comunidade – lembra a presidente do bairro Marechal Floriano, Solange Neres Stecanela, que há 57 anos convivia com Candeia.
Apesar de não fazer o bem pensando em recompensa, o simpático senhor, que cultivava uma densa barba branca digna de um Papai Noel de respeito, viveu em 2009 um dos momentos mais emocionantes: foi agraciado com o título de Cidadão Caxiense no plenário da Câmara de Vereadores.
– A parede da sala da sua casa ostenta reportagens e homenagens que ele recebeu ao longo da vida. O certificado desse título também está exposto lá e ele sempre foi muito grato, pois este título foi uma forma de reconhecer toda a sua dedicação por Caxias – diz a neta Michele.
Seu Candeia era viúvo há seis anos e deixa três filhos (outros dois já faleceram), netos, bisnetos e um trineto.
Legado de solidariedade e bons conselhos
Papai Noel no Natal e tradicionalista o ano todo, Candeia ajudou o movimento gaúcho a se desenvolver em Caxias. Com mais oito amigos, decidiu, em 1984, montar um " galpãozinho" e um palco na Praça João Pessoa, no bairro São Pelegrino, para comemorar o 20 de setembro. A filosofia da organização era proporcionar aos moradores da cidade o conhecimento sobre a realidade do campo e divulgar a hospitalidade gaúcha. Na praça, fazia-se comida, demonstração de apetrechos gaúchos, apresentações artísticas e bailes – todas as atrações eram gratuitas. Com o crescimento da participação comunitária, conquistada com muito trabalho pelo grupo, o evento foi transferido para o Parque Cinquentenário e, tempos depois, cresceu e chegou aos Pavilhões da Festa da Uva.
Antes disso, quando recém havia chegado de Lagoa Vermelha, com 15 anos, Candeia foi trabalhar na fábrica de caixas de madeira da Pisani. No mesmo período, ajudou a construir dois clubes de baile _ o 15 de Novembro e o Santos.
– O vô sempre dizia que tinha prazer em ver a união das pessoas, adorava uma festa. E o lema dele sempre foi "somos todos iguais e o respeito é essencial". Por isso que adorava reunir as pessoas independentemente da época do ano e sem fazer distinção de raça ou religião – lembra a neta Michele.
Candeia também auxiliou na construção do campo do Flamengo (hoje, SER Caxias). Além disso, foi um dos fundadores do CTG Campo dos Bugres e um dos primeiros a acender a chama da Semana Farroupilha em Caxias. Porém, a paixão maior era ser Papai Noel, papel que desenvolveu por mais de 40 anos.
– Ele somente parou nos últimos dois Natais porque não tinha mais condições físicas de sair pelo bairro. Mas, mesmo assim, ficava sentado na varanda de casa com um saco de balas, pronto para distribuir para a criançada – recorda Michele.
De tudo que Candeia plantou em vida, os seus conselhos foram os mais valiosos.
– Quando eu paro e penso tudo que aprendi com meu avô, lembro de como sou sortuda. Essa vontade que ele tinha de ajudar os mais carentes e fazer a diferença numa sociedade que ainda vive cheia de preconceitos, transformou-me em uma pessoa melhor. Vou honrar sempre tudo o que ele me ensinou – resume a neta.