Para milhares de usuários de ônibus da Região Metropolitana, a semana começou com um peso adicional no bolso. Desde segunda-feira, linhas que atendem 34 cidades tiveram um aumento de 14,87% na passagem – bem acima da inflação. Segundo a Metroplan, órgão estadual que regula o transporte metropolitano, o reajuste é necessário para cobrir as despesas das empresas de ônibus e oferecer melhoria no transporte coletivo.
Diante da chuva de queixas de usuários sobre as más condições do serviço prestado, seis repórteres do Grupo RBS pegaram ônibus cedinho nesta terça para verificar itens como cumprimento de horários, conservação dos veículos e tempo de viagem.
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Confira o que Bruna Ayres (ZH), Cid Martins (Rádio Gaúcha), Giulia Perachi (RBS TV), Jeniffer Gularte (Diário Gaúcho), Jéssica Rebeca Weber (ZH) e Vanessa Kannenberg (ZH) encontraram nas linhas utilizadas pela manhã.
MONTENEGRO/POA - por Vanessa Kannenberg
Linha: N700
Trecho: da rodoviária de Montenegro à rodoviária de Porto Alegre
Tempo de viagem: 1h25min
Aumento da passagem: de R$ 11,30 para R$ 12,95
"Cumprir horário não foi exatamente um problema no ônibus 18401 da Viação Montenegro, que saiu da rodoviária do município apenas um minuto depois do previsto: 6h31min. No percurso de quase 70 quilômetros, a linha comum pingou 15 vezes entre Montenegro, Nova Santa Rita e Canoas, até chegar à estação rodoviária da Capital uma hora e 25 minutos depois – 10 a mais do informado pela empresa. E sacolejou com vontade o caminho inteiro.
O veículo estava razoavelmente bem conservado, com a exceção de dois rasgos em assentos, dois apoios de braço quebrados e outros dois faltando, e limpo no início da viagem. Em nenhum momento do trajeto os 45 assentos foram ocupados, entre entradas e saídas. Mas o mecânico industrial Henrique Müller, 25 anos, alertou que isso se deve a dois motivos: férias escolares e horário matinal.
– Agora tá tranquilo, tu tens que voltar depois das 16h30min. Isso aqui fica uma zona, muita gente viaja de pé – afirmou.
Nas respostas de todos com quem conversei apareceu, com palavras distintas, a mesma percepção: as condições do ônibus não acompanharam o aumento de R$ 1,65 por passagem (R$ 66 de diferença no fim do mês, se contar ida e volta em dias de semana).
– O mínimo que podia ter era ar-condicionado. No inverno, isso aqui é um gelo. No verão, não dá pra suportar o calor – defende o professor de violino Lucas dos Santos, 31 anos.
Realmente: os mesmo 6ºC marcados do lado de fora na manhã desta terça-feira eram sentidos dentro do ônibus. Mesmo bem encasacada, senti frio dentro do Viação Montenegro."
NOVO HAMBURGO/POA - por Giulia Perachi
Linha: de Novo Hamburgo a Porto Alegre, da empresa Central
Trecho: do paradão de NH ao centro de Porto Alegre
Tempo de viagem: 1h45min
Aumento da passagem: R$ 3,20 para R$ 3,70
"Pegamos o ônibus no centro de Novo Hamburgo, no paradão da Rio Branco. O ônibus saiu pontualmente da garagem, às 7h30min. No percurso, o ônibus faz paradas na BR-116, entra em São Leopoldo e depois segue pela rodovia novamente, parando para pegar mais passageiros ou para que os que já estão a bordo desembarquem. É um pinga.
Uma coisa que chamou a atenção é que muita gente utiliza a linha para percursos mais próximos, ou seja, para ir até São Leopoldo ou Esteio. Já que a viagem dura 1h45min até Porto Alegre, o trem se torna uma alternativa mais rápida. O veículo não era muito novo, mas estava razoavelmente bem conservado. A sujeira incomodou: havia muita terra no chão, pedaços de papel e folhas, e a lixeira que fica ao lado da porta estava transbordando. Uma das barras estava solta no teto. Fomos sacolejando a viagem inteira, e o ônibus não ficou lotado em nenhum momento – sempre com bancos vazios. Isso só muda, segundo os passageiros, no fim da tarde quando o ônibus fica lotado.
As principais reclamações são a falta de ar-condicionado e também de horários, especialmente fora do período de pico. A percepção é de que isso ocorreu especialmente quando houve a ampliação da linha da Trensurb até o centro de Novo Hamburgo. Alguns passageiros relatam que chegam a esperar mais de uma hora e meia por um ônibus. A empresa informou por telefone que há ônibus de NH até Porto Alegre a cada 40 ou 50 minutos."
ALVORADA/POA - por Jeniffer Gularte
Linha: de Umbu a Porto Alegre, empresa Soul
Trecho: do Terminal Umbu à Voluntários da Pátria, em Porto Alegre
Tempo de viagem: 1h20min
Aumento da passagem: de R$ 4 para R$ 4,60
"Quem quer ir sentado no trajeto de quase uma hora e meia entre o bairro Umbu, em Alvorada, até o centro de Porto Alegre tem de pegar o ônibus no momento em que ele parte do terminal. Embarquei no ônibus às 6h30min. Ele saiu com três minutos de atraso, às 6h33min.
Quem sobe nas paradas seguintes, ainda no bairro Umbu, já não consegue mais sentar. Muita gente faz todo o trajeto de pé, mas entre os passageiros a principal reclamação é quanto ao aumento do preço da passagem. Desde segunda-feira, o valor passou de R$ 4 para R$ 4,60.
– Subiu demais de uma vez só. É um absurdo porque ele não é pontual e chegamos atrasados em Porto Alegre – avalia a auxiliar de serviços gerais Simone Beatriz Lopes Pinheiro, 39 anos.
A auxiliar de cozinha Denise da Silva Bittencourt, 37 anos, foi surpreendida pelo acréscimo na manhã de segunda-feira. Para ela, pior do que pagar muito, é não ter um serviço de qualidade:
– Vou todos os dias de pé, o ônibus está sempre cheio. Ontem não sabia que tinha aumentado a passagem, vim com o dinheiro contado. Aumentam e não divulgam.
Mesmo novo e com os bancos bem conservados, o ônibus tem goteiras em dias de chuva. Segundo os passageiros, nem sempre os veículos são articulados:
– É todo o dia ônibus cheio, só vou sentada se acordo mais cedo para ir até o terminal– contou a auxiliar de limpeza Inês Múria, 37 anos. Diariamente ela caminha 15 minutos até o terminal para conseguir fazer a viagem sentada.
De todos os passageiros com quem conversei, ouvi que a volta é ainda pior. A partir das 17h, os ônibus retornam da Capital para Alvorada lotados. Em alguns casos, os veículos ignoram as paradas:
– É um estresse todos os dias – classificou a auxiliar de cozinha, Jéssica Santos, 25 anos."
GUAÍBA/POA - por Bruna Ayres
Linha: Troncal Fátima via Farrapos/Guaíba/Porto Alegre
Trecho: do Terminal Fátima, em Guaíba, à Rua Carlos Chagas, em Porto Alegre
Tempo de viagem: 1 hora
Aumento da passagem: de R$ 4,90 para R$ 5,60
"O sol nem nasceu em Guaíba, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e o Terminal Fátima, na entrada da cidade, já está lotado. Os ônibus que trazem os moradores dos bairros mais afastados mal estacionavam e já era possível ver as filas se formando para embarcar nos coletivos que saem em direção à Capital a cada 20 minutos, pontualmente. O aumento da tarifa, que na linha comum passou de R$ 4,90 para R$ 5,60, não agradou os passageiros.
– Trabalho por conta e vou todos os dias a Porto Alegre. A passagem sai do meu bolso, e está cada vez mais difícil pagar – comentou o pedreiro Altair dos Santos Duarte, 36 anos, último da fila que já somava mais de 30 pessoas antes mesmo de o ônibus chegar, às 7h30min.
Cristiani Canut, 42 anos, chegou ao terminal às 7h20min, mas preferiu esperar o ônibus seguinte, com saída marcada para 7h40min. Primeira da fila, ela afirmou que preferia aguardar para conseguir um lugar para sentar:
– Hoje não estou com pressa, então prefiro esperar um pouco para conseguir ir sentada até lá. Fazer todo esse caminho em pé não dá – conta, ao embarcar no mesmo ônibus que eu. Sem danos visíveis e limpo, o coletivo estava, aparentemente, bem conservado. Mas, assim como ela, outros passageiros optam por aguardar e garantir uma viagem mais confortável nos ônibus com assentos vagos.
Um dos motivos por essa espera por um banco vazio é a Estrada do Conde, trecho longo e com muitos buracos. Com o sacolejar do ônibus na via que, além de esburacada, registra grande fluxo de veículos e muitas e curvas, fica ainda mais difícil para quem está de pé aguentar o trajeto que demorou uma hora até a Rua Carlos Chagas, no centro de Porto Alegre. Na chegada à Capital pela Avenida Farrapos, alguns passageiros começam a desembarcar, permitindo aos que descem no fim da linha alguns minutos de conforto nos bancos."
VIAMÃO/POA - por Cid Martins
Linha: Estalagem
Trecho: bairro Estalagem, em Viamão, ao centro de Porto Alegre
Tempo de viagem: 1h30min
Aumento da passagem: de R$ 4,65 para R$ 5,35
"As pessoas chegaram cedo ao bairro Estalagem, em Viamão, e o coletivo atrasou por alguns minutos: o horário previsto era 6h25min e chegou quase 6h30min. Mas o atraso não é a maior reclamação. Na lista de problemas dos usuários, o retorno de Porto Alegre para Viamão à tarde foi quase unânime.
Além da demora nas paradas, o tempo no trajeto também é um transtorno: em média uma hora de Viamão até o Planetário, na avenida Ipiranga, na Capital, e 1h30min até o Centro, mesmo com avenidas congestionadas, como Bento Gonçalves e Ipiranga.
Em segundo lugar, aparece a falta de linhas para um mesmo trajeto. O passageiro que perde um coletivo para determinado local, por exemplo, leva até meia hora para conseguir outro ônibus. Depois, os R$ 5,35 da passagem são outro problema: se somados 20 dias úteis em um mês, ida e volta, geram um gasto total de R$ 214.
Por fim, a lista tem como reclamações mais frequentes os coletivos lotados e a demora. O ônibus que a reportagem acompanhou na manhã desta terça-feira estava em boas condições. Porém, mesmo lavado recentemente, tinha um cheiro forte e ruim. Lotou por um período, mas à medida em que avançava por Porto Alegre, os passageiros desciam e a lotação reduziu. Também conferimos a situação de ônibus que vinham da Vila Augusta, passando pelo viaduto da Bento Gonçalves com a Perimetral. Entre 7h40min e 8h10min, todos que trafegaram por esse trecho estavam lotados."
CACHOEIRINHA/GRAVATAÍ - por Jéssica Weber
Linha: Sogil Ponte-Gravataí/107
Trecho acompanhado: Da parada 49 de Cachoeirinha ao Hospital Dom João Becker (centro de Gravataí)
Tempo de viagem: 35 minutos
Aumento da passagem: de R$ 3,35 a R$ 3,85
"O ônibus chegou na parada adiantado: seu horário de saída era às 7h10min na ponte de Cachoeirinha, e ele passou às 7h8min na parada 49, em frente à agência da Caixa. Estava aparentemente limpo, bem conservado, e ninguém precisou ficar de pé.
Sentei do lado de uma supervisora em serviços de saúde, e ela disse que tivemos sorte: o outro coletivo que costuma pegar neste horário vem de Porto Alegre lotadíssimo. Ela leva de 30 minutos a uma hora para chegar ao trabalho em Gravataí e estava indignada com o aumento da passagem.
– Impacta diretamente na vida do pai de família, e melhorias no serviço não são vistas: os ônibus estão cada vez mais sucateados – diz Elisângela Altíssimo.
A operadora de caixa Fernanda Setter, 30 anos, reclama da frequência e do atraso de algumas linhas: conta que há duas semanas, por volta do meio-dia, esperou durante 1h20min por um ônibus que a levasse do bairro Morada do Vale ao centro de Gravataí. Aguardava na chuva com seus filhos de quatro e cinco anos, que recém estavam se curando de uma gripe. Também lamenta o aumento:
– Não entendo por que eles aumentam tanto a passagem. Fica bem pesado – diz ela, calculando que a mudança vai lhe custar cerca de R$ 50 a mais por mês.
Retornei a Cachoeirinha com outro ônibus comum da Sogil. Os veículos não contavam com ar-condicionado. Nas linhas comuns Gravataí-Porto Alegre, a passagem é R$ 6,60, e o serviço semi-direto até a Capital chega a custar R$ 9,55 (via Free Way)."
CACHOEIRINHA/PORTO ALEGRE - por Jéssica Weber
Linha: Transcal Parque da Matriz/Assis Brasil
Trecho: Da parada 52 (próximo à prefeitura) ao Centro Popular de Compras de Porto Alegre
Tempo de viagem: 45 minutos
Aumento da passagem: de De R$ 4,20 a R$ 4,85
"Sentado de frente para um banco danificado e pichado, Cláudio Santana, 39 anos, reclama da qualidade do serviço:
– Não tem conforto – diz o recepcionista.
O ônibus não se atrasou e não estava lotado. Pela sujeira no chão, parecia que há bastante tempo o veículo não vê uma vassoura. Mas pior do que a limpeza, para Claudio, é a demora: precisa sair duas horas antes de casa para chegar ao trabalho na Avenida Cristóvão Colombo, em Porto Alegre.
A linha que ele usa era para passar de hora em hora no Parque da Matriz, mas "nunca é certo", de acordo com ele, e o pinga-pinga se arrasta por toda a cidade de Cachoeirinha e pela extensa Avenida Assis Brasil.
Em um cálculo rápido, são 96 horas por mês em função de transporte público, quatro dias inteirinhos que poderiam ser aproveitados com a mulher e a filha. Não considera o aumento justo e compara o veículo à frota da Carris, empresa pública de Porto Alegre.
– Lá tem ar-condicionado – lembra.
O ônibus trepida bastante e faz um barulhão – e é isso o que mais incomoda a funcionária pública Cláudia Santos, 49 anos.
– O preço é alto para o serviço oferecido – sentencia.
Para ter conforto, é preciso pegar um ônibus seletivo, cuja tarifa agora é de R$ 8,50. Essas linhas não aceitam mais passageiros quando a lotação é atingida, então, se você tentar pegar um seletivo perto da ponte de Cachoeirinha, é possível que o motorista não pare para você".