Esta será mais uma segunda-feira "nada fácil" para Marcus Laitano, 20 anos. Ao acordar, antes mesmo de sair da cama, ele perceberá que suas redes sociais viraram uma avalanche de comentários sobre o último episódio da sexta temporada de Game of thrones (GoT), veiculado no canal pago HBO na noite de ontem. Pensará "que saco", já se preparando para ir à faculdade. E lembrará que lá será pior: seu círculo de amigos não terá outro assunto que não sejam cabeças rolando, reviravoltas e batalhas épicas.
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Ele tentará mudar o foco das conversas, talvez até puxe um empolgante papo sobre o clima. Seguirá então para o trabalho e, adivinha, ouvirá mais uma penca de vezes os nomes Jon Snow, Sansa e Daenerys etc. Terminará o dia não suportando mais ouvir sobre o tema que, para ele, encerrou-se seis temporadas atrás:
– Parei no primeiro episódio, não curti – conta Marcus.
Quando o assunto é Game of thrones, série acompanhada por 23 milhões de espectadores somente nos Estados Unidos (a audiência brasileira não é revelada), o estudante de Publicidade e Propaganda é um estranho no ninho – um outsider, alguém que não segue a tendência de comportamento do meio pelo qual circula. Não é nada grave. Afinal, o que seria do mundo se fulano, cicrano e beltrano fizessem as mesmas coisas? Tem gente que não gosta de futebol, outros não têm Facebook, e há ainda os contrários ao uso do celular. Cada um com suas escolhas, e está tudo bem. Ou quase tudo. Porque as segundas de Marcus...
– Acabaram virando dias em que tenho de ficar quieto em vários momentos. Fico sobrando. Consigo acompanhar um pouco dos comentários que meus colegas fazem, porque a gente acaba sabendo da série por osmose. Todo mundo fala. Mas quando entram nos detalhes, aí complica – conta o jovem, também conhecido como "hater" entre os amigos, adjetivo utilizado para definir as pessoas que postam comentários críticos ou "irritadinhos" nas redes sociais.
E não deixa de ser um adjetivo apropriado. Quando Marcus é desafiado a descrever GoT, é isso o que sai: uma "perturbadora novela mexicana". De tudo o que já ouviu por aí, deduz que toda a trama da série gire em torno de "uns querendo dominar o reino dos outros" e "orgia sexual entre irmãos", diz ele. E mais: "lobos comem pessoas" e "Jon Snow seria um sex symbol". Fim. Este é o resumo de tudo que chegou ao jovem de maneira arbitrária, como ele descreveu em seu perfil no Facebook:
– Quando o relógio bate uma da manhã (do domingo, horário em que é transmitido GoT), eu já preparo meus olhos para o inevitável: quem morreu, quem ficou vivo.... Quem fez sei-lá-o-quê-se-faz nesse mundo deles. E ainda, preparo meu coração para confortar quem não possui o mais importante título na nossa sociedade, algo que com certeza esse tal de Stark gostaria de ter: o sinal da HBO.
Assim como para Marcus, Jéssica Jank, 27 anos, também parou no primeiro episódio. E para aguentar todas as dezenas seguintes, criou uma tática: finge que está acompanhando.
– E aí, quando alguém vem querer comentar sobre o que aconteceu no último episódio, eu só digo: "Ah, não conta! Eu ainda não vi!". E as pessoas param de falar na hora. É uma grande estratégia – brinca Jéssica, que só sabe que na série "morre uma galera".
Os dois outsiders terão meses de folga a partir de hoje, já que a sétima e última temporada de Game of thrones só volta no primeiro semestre do próximo ano. Mas, sabem eles, nem tudo serão flores:
– Agora começa a sessão das teorias. Tem aqueles que vão rever a série e buscar novas explicações e fazer análises e tentar encontrar mais detalhes – adianta Marcus, já entediado.
Sem Facebook, sem time de futebol
O mundo de que Ramiro Duarte Simões Lopes não faz parte é bem maior: o Facebook, que reúne 1 bilhão de usuários todos os dias. Atenção. Um número que tem tudo isso de zeros: 1.000.000.000. Toda essa gente caberia dentro de quê? Do Facebook, onde Ramiro, 34 anos, já esteve. Mas não está mais.
– Mantive minha conta por quatro anos, mas cansei. Logo quando surgiu (a rede social), era uma coisa mais íntima, teus amigos eram aqueles com quem você tinha contato mais frequente, parecia ser mais verdadeiro, mais próximo. Agora, todo mundo tem centenas de amigos, e a dinâmica do conteúdo compartilhado mudou muito, parece que virou uma grande coluna social – afirma o jovem, que trabalha como tradutor e intérprete.
Ramiro não gosta da "representação" que via em sua timeline, onde somente aparecia aquilo que as pessoas desejavam ser, e não o que elas realmente eram, conforme ele explica. Também lhe incomodava a enxurrada de opiniões que vinham de graça, sem que fossem solicitadas.
– Tem muitas coisas que irritam os usuários, aí eles têm que bloquear pessoas, parar de seguir outras. É todo um gerenciamento que se resume em perda de tempo. Estou livre disso. Mas é claro que é impossível viver completamente alheio. O Facebook é sempre motivo de conversa, sempre alguém vai dizer que viu tal coisa no Facebook, que fulano postou algo. Eu só repito comigo: ainda bem que não estou vendo nada disso – afirma, convicto.
No fim das contas, Ramiro acredita que não estar no Facebook lhe causa um único transtorno: há muitos eventos que são divulgados somente na rede social, que muitas vezes não têm um único cartaz físico espalhado pela cidade. Mas nem por isso valeria a pena recriar o seu perfil, até porque os amigos, quando veem algo de que Ramiro poderia gostar, fazem uma captura da tela e mandam para ele, via WhatsApp.
Já os amigos do empresário Mauricio Chaulet, 37 anos, não podem fazer muito por ele. Ele não gosta de futebol. Não torce para o Grêmio, não torce para o Inter, não torce para time nenhum. E prefere que sua turma nem lhe convide para ir a um bar assistir a alguma partida, a decisão de um campeonato, a final entre clássicos...
– Eu seria o cara chato que, em vez de ficar de olho no jogo, ficaria fazendo piadas. Então, melhor nem me chamarem – brinca Chaulet, sócio-diretor da Lagom Cervejaria & Pub, em Porto Alegre.
Tem os caras que gostam de se unir para assistir o time jogar, os que vão ao estádio e os que se mobilizam para amistosos em que eles mesmo são os jogadores. Mas Chaulet nem sabia quem estava disputando a final da Liga dos Campões. E Libertadores, Copa do Brasil, Sul-Americana e Brasileirão também vão passar batidos por ele.
– Não fico isolado por causa disso, mas é preciso aprender a conviver com certas coisas, como por exemplo a uma ida ao cabeleireiro ou a um papo com desconhecido no elevador, quando um dos assuntos mais frequentes é futebol. Eu geralmente dou uma enrolada, seguida de uma risadinha. Mas quem me conhece sabe: não sou o cara do futebol – conta Chaulet.
Todo mundo tem um pouco de outsider
Chaulet não se interessa por futebol, Ramiro acompanha de fora as últimas polêmicas de Facebook, Jéssica e Marcus estão se livrando hoje das segundas-feiras pós-Game of thrones. A jornalista gaúcha Maria Fernanda Cavalcanti, 28 anos, que mora no Rio de Janeiro, no entanto, ainda terá de enfrentar algumas noites de terça-feira, em que o grupo de amigos no WhatsApp ficará monotemático, revelando-se uma seleção de palpiteiros do MasterChef Brasil, programa talent show de culinária exibido pela Band, que atinge picos de audiência e, por vezes, a liderança entre os assuntos mais comentados no Twitter.
– Na última quarta-feira, quando peguei meu celular ao acordar, parecia que eles estavam falando grego ou que eu tinha dormido por 15 anos e acordado de repente. Nada fazia sentido. Comentavam sobre a arrogância de um tal de Pedro. Teve até alguém que escreveu assim: "O Pedro está de olho no ovo do Léo faz tempo". Tipo... quê??? – descreve Maria Fernanda, achando graça do universo que não conhece.
Ela não se interessa pelo programa, mas também não chega a achar tão chato os comentários sobre os quais é obrigada a passar os olhos nas quartas-feiras. Só é um mundo que não faz sentido para ela, como resume, embora faça para seus amigos.
– Está está de boa. Também faço outras coisas, acompanho programas que não fazem sentido para eles. Acho que todo mundo tem um pouco de outsider, faz parte da personalidade de cada um – acredita.