Sabe aquela alergia que surge pouco antes de uma prova importante? Ou a queda de cabelo excessiva sem motivo aparente? Para a pesquisadora Katlein França, formada em Medicina pela Universidade da Região de Joinville (Univille), por trás de muitos desses problemas de pele estão fatores psicológicos. Assim como o avanço dessas doenças dermatológicas, principalmente as mais aparentes, também trazem danos à mente. Ou seja, é como se fosse um ciclo vicioso.
Esta conexão da pele e da mente é tema de pesquisa de Katlein, que atualmente é professora do Departamento de Dermatologia e Cirurgia Cutânea e de Psiquiatria e Ciência Comportamental da Universidade de Miami, nos Estados Unidos. Autora de três livros e com mais de 80 publicações científicas, foi eleita recentemente presidente da Association for Psychoneurocutaneous Medicine of North America [Associação de Medicina Psiconeurocutânea da América do Norte, em português], associação dedicada a promover a conscientização da relação e interação entre a pele e a mente e o papel da psiconeuroimunologia.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Katlein explica o que é a medicina psiconeurocutânea e fala sobre a relação da dermatologia com os aspectos psicológicos e psiquiátricos relacionados a ela.
No que consiste a medicina psiconeurocutânea?
É uma área da medicina e da psicologia que une dermatologia, psiquiatria, psicologia e neurologia. Tem como objeto de estudo a conexão entre a pele e o sistema nervoso. Entre os diversos temas estudados pela psicodermatologia podemos destacar o impacto psicológico e social causado por doenças cutâneas, os efeitos do estresse sobre a pele, a correlação de doenças dermatológicas e psiquiátricas, entre outros.
O que levou você a atuar nesta área específica?
Logo que me interessei pela área da dermatologia, ainda enquanto estudante de medicina, percebi o quanto os pacientes com determinadas doenças dermatológicas sofriam psicologicamente. A pele é o maior órgão do corpo humano e o único visível ao olho nu, portanto qualquer doença que a afete pode causar estigma, ansiedade e depressão. Para melhor assistir a esses pacientes comecei a desenvolver estudos nessa área. Com o decorrer do tempo, a psicodermatologia foi ganhando espaço e atenção nos maiores congressos médicos internacionais, os quais tenho a honra de participar como palestrante.
De que forma a mente pode influenciar na saúde da pele?
A pele e o sistema nervoso têm a mesma origem embriológica: os dois se originam na ectoderme. Devido ao fato de compartilharem a mesma formação, exercem influência mútua. A pele é um órgão extremamente reativo às emoções. Por ser um órgão acessível (ao alcance das mãos, por exemplo), algumas pessoas podem manifestar impulsos agressivos ou autodestrutivos na pele, causando lesões. Além disso, diversos estudos científicos mostram o estresse como fator de exacerbação de algumas doenças como a psoríase, acne e queda de cabelo. E a própria doença de pele pode então causar estresse no paciente. Isso forma um ciclo vicioso.
Quais são as manifestações mais comuns na pele devido ao abalo emocional? Existem doenças dermatológicas que causam problemas psicológicos e psiquiátricos e existem doenças psiquiátricas que causam problemas na pele. Como exemplo do primeiro grupo, a doença cutânea mais comum é a acne, que acomete principalmente os jovens em formação física e psicológica. Dependendo da gravidade das lesões, isso pode causar estigma, isolamento social e depressão. Como exemplo de doenças psiquiátricas que causam problemas na pele podemos citar a tricotilomania, uma doença que causa um desejo incontrolável de arrancar os próprios cabelos. Os pacientes com essa patologia sofrem muito psicologicamente. Eles têm vergonha, depressão e ansiedade pelo fato de não conseguirem controlar esses impulsos.
Essa área é desenvolvida no Brasil?
A Sociedade Brasileira de Dermatologia tem um departamento dedicado à Psicodermatologia. Entretanto, há poucos profissionais dermatologistas capacitados no Brasil e no mundo com alguma formação complementar na área da psicologia ou psiquiatria.
Há avanços no tratamento da pele em conjunto com tratamentos psicológicos? Sim, o tratamento dermatológico de diversas doenças tais como psoríase, vitiligo e dermatite atópica realizado com o acompanhamento psicológico ou psiquiátrico tem se mostrado muito mais eficaz. Inclusive, alguns hospitais em diversos países já contam com equipes formadas por esses profissionais, que trabalham em conjunto. Pesquisas respeitáveis foram realizadas, comprovando maior eficiência no tratamento com esse modelo. Outro avanço na ciência ainda em fase de estudos é o uso da toxina botulínica (o mesmo produto usado de forma injetável para paralisar rugas) para tratamento complementar de pacientes com depressão. O tratamento ainda não foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) – órgão do governo dos Estados Unidos que controla alimentos e medicamentos – mas tem se mostrado seguro e eficaz em diversos estudos. As injeções, realizadas por médicos psicodermatologistas capacitados, são realizadas em determinados músculos da face e têm se mostrado um tratamento promissor para doença.
Como identificar em qual momento é necessário este tratamento em conjunto?Qualquer paciente com uma doença cutânea que esteja sofrendo psicologicamente é um potencial candidato a receber tratamento psicodermatológico. Para um diagnóstico mais apurado seria interessante que os dermatologistas fossem capacitados para poder perceber que além das lesões físicas, o paciente também pode apresentar conflitos psicológicos.
Há estudos que apontam quantos problemas de pele são causados por transtornos na mente?
Não há uma estatística precisa sobre isso. Entretanto, estudos demonstram que 30% a 60% é a incidência de desordens psiquiátricas entre os pacientes dermatológicos. De acordo com um relatório publicado pela Sociedade de Psicodermatologia do Reino Unido, 85% dos pacientes com doenças de pele consideram que os aspectos psicossociais são os principais componentes da doença.
Como prevenir essas doenças?
Depende do tipo de doença. De uma maneira geral, existem muitas doenças exacerbadas pelo estresse. Assim sendo, sugere-se um controle do estresse através da realização de atividades físicas, qualidade de sono e alimentação balanceada, ou seja, a busca do equilíbrio.