Baseado em quatro artigos da Lei do Marco Civil da Internet, de acordo com Tribunal de Justiça do Sergipe, o juiz Marcel Montalvão expediu a decisão que determinou o bloqueio do WhatsApp a partir das 14h desta segunda-feira. A medida vale por 72 horas para todo o país.
A restrição ao serviço se deu depois de o Facebook, dono do aplicativo, não ter atendido a pedidos feitos pela Justiça para colaborar com investigações da Polícia Federal, que solicitou acesso a conversas envolvendo suspeitos de tráfico de drogas. O processo corre em segredo de Justiça.
Ao determinar a punição, o juiz teria se apoiado nos artigos 11, 12, 13 e 15 da lei 12,965, em vigor desde 23 de abril de 2014, que tratam da proteção, sigilo e armazenamento dos dados por provedores de conexão e de aplicações de internet. Especialistas ouvidos por Zero Hora divergem a respeito do tema mas concordam em um ponto: o maior prejudicado com a decisão judicial é o usuário do aplicativo.
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Para o advogado Leandro de Mello Schmitt, professor da Unisinos e especialista em direito digital, a decisão expõe um conflito entre o que é aceito pelo direito penal e o que está previsto no Marco Civil, e "agride" a Constituição Federal. As sanções possíveis previstas no documento, segundo o especialista, só podem ser aplicadas em caso de as empresas agirem em desacordo com o que está previsto nos artigos 10 e 11 do Marco. Os artigos referem-se à preservação da intimidade, da vida privada, da privacidade e da honra, além do sigilo de dados fornecidos pelos usuários.
– O WhatsApp está respeitando a Constituição e o Marco Civil, e está sendo punido por isso, o que cria um ambiente de insegurança jurídica. Como outras empresas, esse serviço não é responsável pelo que os usuários postam. É só um veículo. A gente está matando o mensageiro em vez de buscar quem emitiu a mensagem – diz.
O advogado também entende que a decisão não observou os princípios de proporcionalidade e razoabilidade, que o jurista deve levar em conta para tomada de decisões em caso de conflito, ao afetar milhões de usuários em favor da resolução de um processo criminal pontual:
– Me parece que o juiz fez uma interpretação isolada da lei que acabou prejudicando milhões de pessoas. As sanções precisam ser aplicadas da menos grave à mais grave, desde a advertência até a proibição de a empresa exercer a atividade no país. Esse juiz tentou as outras sanções antes de suspender o serviço?
Além dos usuários, observa Schmitt, as questões técnicas envolvidas no bloqueio do app são complexas, e tendem a prejudicar as operadoras de telefonia – que podem ser multadas em centenas de milhares de reais no caso de descumprimento da decisão.
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB-RS), Ricardo Breier considerou a decisão do juiz de Sergipe abusiva:
– (a decisão) É uma afronta ao nosso direito constitucional assegurado. Todo cidadão brasileiro tem direito ao acesso à informação. A coletividade não pode ser responsabilizada. Há outras ferramentas legais para responsabilizar os envolvidos.
De acordo com Breier, se o Facebook, dono do WhatsApp, não cumpriu uma determinação da Justiça, de fato, a empresa tem de ser responsabilizada, mas as aplicações devem ser feitas de forma direta.
– Uma ordem judicial não pode ser descumprida. Mas é preciso respeitar a proporcionalidade. O coletivo não deve ser onerado – disse.
No início de abril deste ano, o WhatsApp anunciou que todas as conversas por meio do app seriam criptografadas, o que quer dizer que nem a empresa nem outras pessoas, como crackers, podem acessar as mensagens trocadas por meio do aplicativo. Isso não significa que o Facebook, dono do serviço, pode descumprir uma ordem judicial. No entanto, de acordo com o professor de Direito Constitucional da PUC-RS, Carlos Alberto Molinaro, uma empresa não pode ser obrigada a fazer o impossível.
– Seria muito mais eficaz se a Justiça solicitasse os dados de tráfego e não o conteúdo. O conteúdo é impossível de ser enviado em razão da criptografia. Se o juiz pediu o conteúdo, o WhatsApp não tem como atender esses termos. Se pediu os dados de tráfego, mas não foi atendido, quem deveria ser punido é a empresa e não milhões de pessoas. É mais eficaz se a punição pesar no bolso da empresa.
Especialista condena abordagem do Facebook, dono do WhatsApp
Diferentemente de Schimitt, Breier e Molinaro, a advogada especializada em direito digital Patrícia Peck Pinheiro acredita que a medida do bloqueio é respaldada pelo Marco Civil da Internet. Segundo a legislação, explica ela, as empresas precisam colaborar em caso de solicitação da Justiça, sob risco de penalização em caso de descumprimento – que podem ir desde multas, prisão de executivos, como ocorreu em março, com o vice-presidente do Facebook para América Latina, até a suspensão definitiva do serviço.
– Há a previsão legal. Não é abuso de autoridade – avalia a especialista.
Patrícia acredita que o novo bloqueio representa uma medida mais enérgica para que o Facebook mude a atitude em relação a casos semelhantes.
– Essas grandes empresas do setor precisam ter estrutura para lidar com essas situações. As operadores de telefonia já obedecem essas solicitações –afirma. – Continuar com essa abordagem pode resultar na suspensão definitiva do serviço no Brasil.
Ela ressalta que os crimes investigados representam "alto perigo" à sociedade.
– Se as quadrilhas combinam tudo por WhatsApp, ou outro serviço do tipo, a empresa precisa, ao menos, colaborar para garantir a segurança pública. Não é o objetivo delas oferecer meios para que sejam cometidos crimes – pondera.
Sobre a reação dos usuários, que, logo após o divulgação da suspensão inundaram as redes sociais com reclamações – a maioria direcionada ao juiz –, Patrícia afirma que é preciso cobrar as empresas para que atendam o que está previsto na legislação. Lembra que o próprio WhatsApp se protege nesses casos, alegando, nos termos de uso, que não se responsabiliza por eventuais suspensões do serviço.
– Quem perde nessa história toda é o usuário – conclui.