Leia todas as histórias contadas nesta matéria:
Especial: meu irmão gêmeo morreu
Henrique: "Nunca falei a respeito. Tenho medo de que isso exploda algum dia"
Andrea: "Dizem que eu fiquei igual. As pessoas relembram dela em mim"
Fábio: "Como a saudade dói, como a saudade dói"
Maria Lúcia: "Acredito que o convívio dentro do útero deixa uma marca"
José Guilherme e José Gustavo Bertuol Gargioni, ambos fotógrafos e moradores de Canoas, alimentavam o plano de uma tatuagem conjunta. Vinham pensando em alguma imagem que pudesse aludir à condição de gêmeos idênticos e de companheiros inseparáveis. A concretização da ideia foi impedida pelo assassinato de José Gustavo, em julho de 2015, em caso de repercussão na sociedade gaúcha.
No mês passado, durante três noites consecutivas, Guilherme sonhou com o irmão, algo que não costumava acontecer. No quarto dia, munido de uma foto de Gustavo, dirigiu-se ao estúdio de um tatuador e pediu-lhe que reproduzisse a imagem do gêmeo em seu braço direito. Durante cinco horas, viu os traços do irmão se formarem aos poucos em sua pele, numa espécie de renascimento. Sentiu um conforto e uma segurança que não experimentava havia tempos. Não voltou a sonhar com o gêmeo.
– Fiz a tatuagem para tê-lo mais perto de mim. Agora eu acordo e já o vejo. É como se estivesse sempre comigo. Sinto uma segurança por saber que ele está ali – conta Guilherme.
Como a tatuagem é recente, o fotógrafo precisa fazer lavagens, passar pomada e tomar uma série de cuidados. Ele gosta disso:
– Por mais que cicatrize com o passar do tempo, sempre vou ter de evitar sol e passar protetor. É como se eu estivesse cuidando dele.
Na última vez em que esteve com o gêmeo – antes de Gustavo ser assassinado por uma jovem com quem combinara um encontro e pelo companheiro dela –, os dois tiveram uma conversa que Guilherme relembra sempre, para dela retirar forças. Os manos estavam montando um site conjunto para divulgar sua atividade na fotografia. Gustavo havia trabalhado várias horas na preparação da página. Quando Guilherme apareceu, o outro deu por encerrada sua tarefa e deixou a ele a finalização.
– Irmão, fiz minha parte. Agora é contigo – disse Gustavo.
Depois da morte do irmão, Guilherme procurou dar um outro sentido a essas palavras finais:
– Para mim, foi forte ele me dizer isso e depois não voltar mais. Foi o que mais me fez seguir.
A ausência do irmão nunca foi fácil. Quando Gustavo e Guilherme eram recém-nascidos, os dois eram colocados em berços separados. Choravam a noite inteira. Até que alguém sugeriu à mãe que os pusesse a dormir juntos, para reproduzir a proximidade dos nove meses de gestação. Os meninos não choraram mais.