Nada de tinta, gincanas ou arrecadação de dinheiro na sinaleira. No trote dos calouros de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), o desafio foi encarar a tesoura e a máquina de cortar cabelo. Os estudantes desapegaram-se das madeixas na manhã desta segunda-feira, no setor de quimioterapia do Hospital da Criança Santo Antônio da Santa Casa de Misericórdia, diante de inúmeras crianças e adolescentes que lutam contra o câncer.
A ideia da ação, batizada de Trote Solidário – Careca Amiga, é promover uma experiência de integração entre os futuros profissionais da saúde e os pequenos pacientes. A iniciativa é dos próprios alunos e já está em sua segunda edição.
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Uma das mais corajosas foi Carolina Santi, 22 anos. Do longo cabelo que ostentava, cultivado durante anos, não sobrou quase nada: a estudante saiu do local praticamente careca.
– Eu sempre tive o cabelo grande. Ontem eu estava um pouco nervosa, mas na hora (de cortar), não – conta, garantindo que a experiência valeu a pena. – Foi muito legal ver o sorriso no rosto da menina que cortou.
Com a cabeças raspadas espontaneamente, os estudantes esperam contribuir para quebrar o estigma que pacientes com câncer carregam. A queda de cabelo é um dos principais efeitos colaterais da quimioterapia.
– Cortar o cabelo é mais simbólico do que traumático. A gente pode comprovar que a beleza está muito mais no interior das pessoas, no sorriso das crianças, do que no cabelo, que cresce e cai o tempo inteiro – reflete Vitor José da Silva Classmann, 18 anos, o primeiro do grupo a encarar a máquina.
Para Ketlyn Allebrand, 13 anos, que frequenta o Hospital da Criança Santo Antônio há mais de cinco anos para tratar uma aplasia de medula, o gesto dos estudantes foi marcante.
– Eu saía na rua carequinha e com a máscara e todos me olhavam meio atravessado, como se eu tivesse alguma doença contagiosa – relembra, agora com os cabelos já crescidos. – Cortar o cabelo é um modo de dar força para aqueles que ainda estão enfrentando o câncer.
– As crianças às vezes vêm aqui e ficam tristes, o dia inteiro sentadas, quietas, dormindo. Hoje é um dia alegre na vida delas – concorda Artemio Rosa da Silva Junior, 18 anos, que luta contra o sarcoma de Ewing, um tumor ósseo diagnosticado no ano passado.
Esbanjando alto astral, Artemio até se arriscou a manusear a máquina sobre a cabeça dos estudantes.
A animação do trote solidário ficou por conta da ONG Doutorzinhos, grupo que atua em hospitais de Porto Alegre levando alegria e conforto para pacientes e seus acompanhantes. Três voluntários, vestidos de palhaços, conduziram os cortes de cabelo como parte de uma grande farra: tocavam música, faziam careta, improvisavam brincadeiras e convidavam os pequenos pacientes a experimentar desenhos inusitados nas cabeças das "vítimas".
Também participou da ação o Projeto Cabelaço, ONG que arrecada cabelo para doação. Com parceria voluntária da Fábrica Marry Perucas e Cabelos, o grupo recolhe as mechas, confecciona perucas e as encaminha para doação em hospitais pediátricos de Porto Alegre. Durante o trote solidário dos estudantes de Medicina da UFCSPA, cerca de 30 mechas de cabelo foram doadas.
Como doar cabelo em Porto Alegre
– Os cabelos doados podem ser naturais ou com química, mas tem que ter, no mínimo, 15 centímetros de comprimento, e tem de estar secos e limpos no momento do corte.
– A mecha tem de ser amarrada e cortada logo acima do elástico e, depois, guardada em um saquinho.
– O cabelo pode ser entregue no Hospital da Criança Santo Antônio (Avenida Independência, 155, Porto Alegre) ou via correio, para Cabelaço, Caixa Postal 58, Canoas (RS), CEP 92010-300.