Dizem que os tesouros sempre ficam muito bem escondidos. Por isso, a loja do argentino Gustavo Roldan, 55 anos, em Capão da Canoa, está longe do burburinho da Avenida Paragussú. O recinto, batizado de Trato Feito, oferece de lança-chamas antigo a morsa de ferreiro centenária, de quepe do exército alemão pós-guerra a máquinas registradoras de 50 anos atrás. Mas o que ele vende mesmo na Rua Santo Amaro, 336, são as histórias, que sabe contar com muita desenvoltura - e sotaque castelhano.
O caçador de relíquias é, na verdade, um sensacional acumulador, mas resolveu vender o que reúne após um ultimato da mulher: precisavam de espaço para as filhas gêmeas, hoje com cinco anos. Roldan é pastor, capelão da igreja evangélica e juiz de paz eclesiástico. Por isso, viajou o Estado inteiro por estradas vicinais, colônias, comunidades, onde conhecia gente, rezava (diz ter o dom da cura e de ajudar mulheres com dificuldades para engravidar) e sempre voltava com um presente. Às vezes, trazia apenas uma panela antiga, outras, um caminhão cheio.
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Conhecedor da história de cada coisa na loja, tem um acervo grande de objetos de imigrantes de todas as origens. Um pé de máquina de costura alemão, um caldeirão usado por italianos para fazer banha de porco, uma engenhoca americana de espalhar milho nos galinheiros (para não precisar jogar o alimento com a mão). Diz ele que pendurada em uma parede está quase toda a história da furadeira, desde que era tipo um saca-rolhas grande até o momento em que foi ficando mais moderna.
- A geração mais jovem não sabe nada de história. Por que não contar a eles como os antepassados faziam bolo? - indagada, girando a manivela de uma batedeira manual do início do século passado.
Ele não queria se desfazer das coisas, mas a procura começou a ser grande, as antiguidades viraram uma moda. A loja, aberta há pouco menos de um ano, começou a ser visitada por um público de poder aquisitivo maior, atrás de objetos de decoração. Até visitas escolares, em que passa seus conhecimentos históricos aos alunos, o pastor começou a fazer. Com os artigos que tem, consegue dar um passeio pela evolução do comportamento e do trabalho humano durante o final do século 19 e de todo o século 20.
- Meu sonho, além de transformar isso no maior bazar de relíquias do litoral, é criar um museu popular, para dar aulas gratuitas à comunidade - diz Roldan.
Como ganhou muito do que tem, os preços são bastante negociáveis. Diz não querer apenas lucrar, pois Deus já supre sua demanda. Nos fundos da loja, tem uma pequena oficina de restauração, serviço que ensina aos meninos do bairro. E atende encomendas de todo o tipo. Recentemente, rodou o Estado atrás de uma fonte de água de cerâmica branca, toda trabalhada, pedido de uma cliente.
- Meu negócio é garimpar, em colônias, fazendas. Já fiz 600 quilômetros para chegar até uma estradinha de terra, onde não encontrei nada - conta, com seu estado de graça permanente.
Mas história, história mesmo, aquelas com humor, tragédia, emoção, ele conta só na loja. Tem muitos objetos que pediu para mantermos em sigilo. Um deles dá para revelar: tem lá um moedor de sogra. Brincadeiras à parte, o verdadeiro segredo do dono do brique resolvemos guardar para o finalzinho deste texto, pois ele não conta para ninguém: o pastor trabalhou por 25 anos no circo, viajou toda a América Latina. Entrar no Trato Feito de Capão da Canoa é viver um esquete do palhaço Roldan - cada objeto, uma dramaturgia diferente.