No Litoral Norte, a crise ficou para 2016. Bastou uma nesga de sol aparecer por entre as nuvens para as praias encherem ainda no sábado. Ao longo do final de semana, o que se viu foi cada vez mais gente descarregando as malas e a disponibilidade de imóveis para locação praticamente acabar em alguns lugares. Em Torres, por exemplo, os hotéis estavam com lotação acima de 90% já durante o Natal, de acordo com a prefeitura.
A filosofia do veranista tem sido a seguinte: melhor fazer um esforcinho financeiro do que ficar sem praia. Alguns desistiram de viajar para fora do Rio Grande do Sul, o que favoreceu os municípios do Litoral Norte.
- Pelo menos agora, na virada do ano, não sentimos nenhuma queda. As pessoas podem ficar menos tempo por aqui, mas não estão deixando de vir - avalia Noemia Reckziegel, dona de uma imobiliária que trabalha há 25 anos com aluguéis de temporada.
Ela diz ter percebido inclusive mais brasileiros de outros Estados procurando por hospedagem no litoral gaúcho - também há muita gente que costumava ir a Punta del Leste, no Uruguai, e que agora enfrenta um câmbio nada convidativo. A presidente do Sindicato de Hotéis, Bares, Restaurantes e similares do Litoral Norte do Rio Grande do Sul (SHRBS-LN), Ivone Teixeira, tem uma percepção semelhante.
- Foi visível, em setembro, durante a feira da Associação Brasileira das Agências de Viagens (Abav), em São Paulo, que muita gente estava procurando o nosso litoral em vez do Nordeste. Neste ano atípico, é um privilégio termos quase lotação máxima semanas antes do Réveillon - conta Ivone.
E há os argentinos. Diante de um real desvalorizado frente ao dólar, há uma grande expectativa em torno da chegada dos turistas do país vizinho. Ivone, que também é dona do Hotel São Paulo, em Torres, revela que, desde o início de dezembro, eles estão ocupando boa parte do empreendimento. Nesta última semana, segundo ela, metade dos quartos estavam ocupados por hermanos.
- Janeiro será o mês do dólar circulando no nosso litoral. Os argentinos devem vir em grande número. Alguns nos comentaram que sentem medo da dengue e do zika vírus, por isso não foram às praias nordestinas - explica Felipe Rodrigues, corretor de imóveis em Capão da Canoa.
Final de semana de sol entre nuvens e praias movimentadas
Mesmo com o tempo instável, a maior parte das praias teve bom público já no sábado. O aumento, em parte, se dá pela chegada dos veranistas que passaram o Natal junto com a família e agora curtem o recesso no Litoral Norte.
Os vendedores que atuam na areia estavam animados pelo primeiro dia de movimento com cara de alta temporada. Na avaliação de todos que trabalham no litoral, as chuvas das últimas semanas são o principal motivo para a demora na chegada do público.
- Não adianta, dependemos também de São Pedro para atrair as pessoas. Estamos fazendo um esforço para não repassar aos clientes o aumento nos custos dos produtos que ocorreu ao longo ano - afirma Pedro Luis da Rosa, dono há 10 anos do Quiosque do Pedrão.
Nesse ponto, segundo os meteorologistas, a previsão não é muito animadora. O céu deve permanecer nublado nos próximos dias e o tempo deve mudar radicalmente a partir de quarta-feira, justamente durante o feriado de Ano Novo. Instabilidades associadas à formação de um sistema de baixa pressão vão provocar chuva forte e há até a possibilidade de queda de granizo, de acordo com a meteorologista Fabiane Casamento, da Somar Meteorologia.
Foto: Félix Zucco / Agência RBS
Em Torres, churrasco feito na areia para não gastar
Durante o domingo, que começou com cara feia e apenas alguns momentos de sol, uma turma de Garibaldi contornava os preços mais altos cobrados na areia com a preparação de um churrasco. O grupo, formado por cerca de 20 pessoas das famílias Sartori, Zanotto, Kross, Haberkamp e Beal, costuma trazer tudo de casa, para não precisar pagar os preços um pouco mais caros cobrados na beira da praia.
- Não é porque gringo é pão-duro, imagina - brinca em tom de ironia o assador Andrei Kross, moveleiro de 39 anos. - É que não dá para gastar todos os dias, tem de ter um equilíbrio - completa, em tom mais sério.
A cerveja, claro, vem de casa e é carregada no isopor. Kross diz sentir coceira só de pensar em pagar o dobro pelo produto quando vendido ali, próximo ao mar:
- Já basta que quando chegamos, há algumas semanas, uma lata custava R$ 2,20 e agora está R$ 2,70.
O amigo, Evandro Beal, industriário de 43 anos, diz que já é um costume da turma trazer o que sobrou das refeições anteriores, todas feitas em casa, para passar o dia na areia.
O diagnóstico de que as pessoas estão gastando menos apareceu cedo para o vendedor de cangas e saídas de praia Alexandre Alves, o Goiano da Praia Grande, que atua em Torres e é natural de Inhumas, Goiás.
- Os brasileiros não querem saber de gastar. Tá uma choradeira grande, mas faz parte do negócio - conta.
O preço subiu, para acompanhar o momento econômico, segundo ele. Peças que custavam R$ 30 no ano passado passaram a custar R$ 35. Quando o negócio está de vento em popa, Alves consegue vender um carrinho, que tem 200 peças, em três ou quatro dias. Algo ainda distante para esse começo de veraneio:
- A esperança está toda nos argentinos. Preciso estar sempre renovando o estoque com as últimas novidades da moda, que saem mais - explica o vendedor - Quando março vai chegando, aí sim, é o saldão. Aceito o choro numa boa - revela a barbada.
Foto: Félix Zucco / Agência RBS
Em Tramandaí, movimento abaixo do comum
Outrora batizada de Capital das Praias, Tramandaí parece viver um momento de crise, se comparado às outras praias do Litoral Norte visitadas pela reportagem. No domingo, às 14h, mesmo com um pouco de sol - tímido, é verdade- , os guarda-sóis estavam pouco ocupados. A tradicional movimentação na região central da orla parecia estar muito abaixo dos últimos anos.
- Olha, estamos vivendo uma queda de pelo menos 50% no movimento em relação ao ano passado - avalia Pedro Luis da Rosa, do Quiosque do Pedrão.
Ele está fazendo de tudo para segurar os clientes que aparecem. A cerveja segue no preço da temporada passada, de R$ 10, embora ele compre uma caixa hoje a R$ 120, a mesma que custava R$ 95 até pouco tempo. O milho e o coco verde também permaneceram congelados, a R$ 4 e R$ 6, respectivamente. Ele só não conseguiu manter a porção de violinha frita, que passou a custar R$ 23, aumento de R$ 6.
Os corretores de imóveis estimam uma queda de movimento semelhante à projetada por Rosa. Inez Santos, corretora da Pinheiro Imóveis, diz que Tramandaí está muito cara, e atribui a isso a queda na procura por aluguéis de temporada:
- Acredito que a procura caiu em 40%. Os proprietários, que estavam cobrando alto demais, já estão reduzindo os preços. Hoje dá para encontrar casas com diárias por R$ 300, que custavam R$ 400 há alguns dias - afirma.
Foto: Félix Zucco / Agência RBS
Em Capão da Canoa, revitalizações atrasadas
Capão da Canoa parece ser um dos municípios do litoral que está mais investindo em reformas, infraestrutura e revitalizações. Mas tudo isso tem um ônus: como elas não terminaram antes da temporada, os veranistas estão sentindo o impacto dessa fase de transição.
Na área central, a orla está confusa e até arriscada, principalmente para crianças. Entulhos se misturam à areia e uma das poucas calçadas que ficou pronta termina antes da areia, isto é, mesmo pelo acesso mais perto de estar pronto, os banhistas precisam enfrentar pregos, caliça e todo tipo de material de construção.
Outra reclamação se dá quanto aos novos quiosques. Foram retirados 30 deles para a obra de revitalização, e ficarão apenas oito abertos. Com isso, uma longa faixa de areia tem poucas opções de compra. O que deveria ser a glória dos proprietários que venceram o leilão das novas estruturas, certo? Nem tanto, segundo eles:
- Estamos vendendo bem. Mas investimos muito dinheiro nesse negócio e ficamos até pouco tempo sem água e luz. A água chegou, mas a luz... Ainda estamos trabalhando apenas com gelo - lamenta Agedir Ribeiro Gomes, 58 anos, do quiosque 2.
No centro de Capão da Canoa, o sábado à noite foi de grande movimentação - e preços um pouco mais altos em relação à última temporada. O crepe, comumente chamado de crep's, custava de R$ 8 a R$ 15, entre o simples e o triplo. Hoje, o mais barato custa R$ 10, e o mais caro, R$ 18.
- As pessoas entendem que tudo subiu, mas alguns reclamam. Aí a gente faz um descontinho e vamos levando - conta Lori Oliveira, do Krep's Star do Nenê.
O bufê de sorvetes, uma das opções mais movimentadas, também subiu. O preço do quilo era de R$ 43,90 em 2014, mas agora custa R$ 49,90. O último aumento, de R$ 4, ocorreu há poucas semanas.
- Os produtos para nós subiram muito mais em percentual. A noz, por exemplo, foi de R$ 21 para R$ 50, mas teve alta no leite em pó, no chocolate, em tudo - justifica Alessandra Agliardi, gerente de uma sorveteria do centro de Capão da Canoa.
* Zero Hora