A mexicana Naolí Vinaver, 49 anos, é parteira profissional e tradicional. Com experiência de 28 anos, acompanhou pelo menos 1,4 mil nascimentos - atende no máximo oito por mês - e foi uma das primeiras parteiras profissionais certificadas dos Estados Unidos. Há quatro anos, decidiu morar em Florianópolis com os três filhos, todos nascidos em casa, e onde faz parte do grupo Ama Nascer, que defende o parto humanizado. Atualmente dá cursos para aquelas que sonham em seguir o mesmo caminho. Naolí está lançando a edição trilíngue do livro Nasce um bebê...naturalmente, que explica a crianças o parto domiciliar. Ela fala sobre como tratar o tema com os pequenos e a importância de lidar com o parto como algo natural.
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O que falta para as mulheres reassumirem o protagonismo no parto?
Falta se informar. A gestação e o parto são um processo fisiológico, orgânico e inato. Não é algo que você vá lá aprender ou que um profissional precisa resolver. É bom ter um profissional em situação de emergência. A mulher moderna precisa se informar e entrar em contato com outras mulheres para lembrar como parir de forma tranquila. Já existe um movimento pela humanização do parto, que é forte no Brasil. Precisamos trazer a mulher como protagonista, e não os profissionais. E fazendo as intervenções necessárias mínimas para devolver a tranquilidade e naturalidade do processo do gestar, parir e criar filhos. Todos precisam colaborar, profissionais, sistema médico, mães e filhos. É juntar o tradicional com o moderno. Não podemos abrir mão das cesáreas porque salva vidas, mas temos que usar quando realmente precisa.
Por que lançar um livro sobre o tema voltado para as crianças?
O parto foi bem desnaturalizado pela cultura moderna e cria conflito interno nas pessoas. Ganhar o bebê em um sistema muito intervencionista, cria muita ansiedade, corrompe a integridade, desestrutura o emocional. Aí começam os problemas. Ela não consegue amamentar porque se sentiu triste, insegura. Então, achei muito importante começar com o livro para as crianças, porque os pais vão ler e reaprender desde o início. O livro é para as pessoas entenderem que a sexualidade e o parto são naturais. Então, meu trabalho é focado nas duas áreas. Afinal, o bebê nasce a partir da sexualidade de uma mulher. Tentei publicar nos Estados Unidos e eles quase piraram, porque não aceitam a sexualidade. Mas o livro já foi publicado em italiano, francês e alemão. Agora tem em português, inglês e espanhol.
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É importante os filhos pequenos acompanharem os partos dos pais?
Acho que as crianças são os mais tranquilos em partos. Adultos já têm tempo de criar fantasmas, medos. As crianças veem o parto com muita naturalidade. A gente os prepara, fazendo teatros para que saibam que a mãe poderá emitir gemidos. Caso alguma criança prefira sair de casa, tem sempre alguém para fazer isso. A ideia do livro é enquanto a criança aprende, os adultos - que já deveriam estar sabendo tudo sobre parto, mas que se perdeu já que não tem mais crianças nascendo em casa - também. Uma vez que eles veem nascer o irmão, não têm ciúmes.
Por que o parto humanizado?
Ele é um parto que chamo também de mais amoroso. Porque quem acompanhar esse tipo de parto vai olhar para a mulher como um indivíduo, como um ser único e particular. E poderá avaliar se os sintomas representam riscos ou não e evita levá-la a uma intervenção que não é necessária. No caso do bebê, em vez de levá-lo por uma corrente de protocolos um atrás do outro, que vai separá-lo da mãe, vai ser tratado como indivíduo. Acompanhar a mãe e o bebê, com paciência e sem pressa. Isso é em parte a humanização do parto.
Na sua opinião, partos humanizados hospitais são possíveis?
Sim, principalmente porque já existem muitos profissionais que trabalham nos hospitais que já têm um cuidado maior com o processo. Tem que deixar a mulher participar ativamente, não só de forma física, mas também nas decisões. Ela pode decidir a postura, a posição. Tem vários hospitais no Brasil que são exemplos. Existem até doulas que vão acompanhar partos em hospitais, mas o interessante é fazer parcerias entre profissionais, para não sentir que tem concorrência. É um pouco difícil às vezes para quem se formou em uma visão mais conservadora e aprende que precisar aspirar bebê, cortar o cordão umbilical. No tema do parto, dividir os médicos por especialidades, como pediatra e obstetra, considero um grande erro sociocultural. Na tentativa de aprimorar a área de saúde, dividiram em duas categorias, uma para mãe e outra para o bebê, sendo que a saúde de ambos depende desse contato.
Livro de Naolí Vinaver:
Como Florianópolis está nesse cenário?
O Brasil sempre me impactou como um país muito ativo no movimento de humanização, com entrega muito grande das pessoas envolvidas. Mas falta comunicação entre as disciplinas, principalmente entre pediatria, gineco-obstretrícia e parteria. Florianópolis, em particular, tem muitos médicos que estão polarizados. E o ego profissional interfere um pouco. Mas ainda há bastante a ser percorrido.
Para quem quer fazer um parto em casa o que é fundamental?
A pessoa deve se informar das opções, dos prós e contras. Para ver se bate com a filosofia de vida dela, se informar sobre os processos fisiológicos que vai presenciar. Porque em casa a gente não tem anestesia, usamos massagem, banhos quentes, chuveiro, mudança de posições e acolhimento humano. Quem tem muito medo, também deve se informar, porque tem muitos mitos obstétricos na sociedade.
Quais são os principais mitos?
O primeiro é o mito de que muito provavelmente alguma coisa dê errado. O mito de que um bebê grande não pode nascer vaginalmente, que uma mulher acima de 35 anos já é velha para parir. O bebê com cordão ao redor do pescoço é outro mito no parto natural. Inclusive existe uma lista de mais 50 mitos que são "justificativas" para cesáreas. Nos meus últimos 15 anos como parteira, eu tenho uma taxa de transferência para o hospital de 2%. Existem no mundo, países onde o parto natural é a base. Na Holanda, por exemplo, cerca de 33% fazem o parto domiciliar.