Por mais de um ano, o alemão Jakob, o chinês ZhengHao e o americano Yahsiel se prepararam para estudar uma temporada no Brasil. Vieram parar em Porto Alegre. Se lugares do centro do país ainda estão no topo da lista dos jovens que procuram o Brasil para estudar, a Capital vem se transformando em opção por dois motivos principais. Cidades como o Rio de Janeiro têm uma longa fila de inscritos concorrendo às vagas para estudantes estrangeiros de Ensino Superior. Outras vezes, instituições do Rio Grande do Sul são as únicas opções do país em parceria com universidades do Exterior.
Ponto para as gaúchas, que têm ampliado os convênios internacionais. Em quatro universidades do Estado, 780 estudantes estrangeiros foram recebidos no ano passado para fazer intercâmbio. Só em 2015, 13.211 vistos de estudantes foram concedidos pelo Brasil. Até o início de maio deste ano, as quatro principais instituições de Ensino Superior do RS abriram as portas para 550 alunos de diferentes países. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os 481 estrangeiros que estão matriculados nesse momento são de 65 países diferentes.
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A preparação para estudar longe de casa começa cedo, e a língua é o principal desafio. Depois, vem a organização da documentação para ser aprovado ao programa de intercâmbio da universidade de origem e, por fim, da instituição que receberá os intercambistas.
Enquanto Jakob comemora ver nas aulas no Brasil um aprofundamento maior sobre economia, Yahsiel e ZhengHao se desapontaram com a infraestrutura dos cursos. Número de horas de aulas, relacionamento com brasileiros e infraestrutura foram alguns dos aspectos analisados pelos jovens nessa temporada compartilhando conhecimento nas universidades gaúchas.
A visão de um alemão
Uma das vantagens encontradas pelo estudante Jakob é que na UFRGS as aulas têm no máximo 50 alunos
Jakob Vincent Latzko chega à universidade de cuia na mão. Há três anos, no primeiro intercâmbio, aprendeu o hábito do chimarrão na Argentina, e levou para Göttingen. Logo que voltou para a cidade onde vive na Alemanha, colocou como meta repetir a experiência de estudar em outro país. Desde março, está no curso de Economia da UFRGS.
- Eu era muito jovem no primeiro intercâmbio. Aproveitei bastante, aprendi a falar espanhol, fiz muitos amigos, mas queria estudar novamente no Exterior para, dessa vez, aproveitar melhor a universidade - diz o jovem de 22 anos.
Após ter frequentado classes de português e já habituado com o preço da erva-mate (na Alemanha e no Brasil, os preços são similares), aproveitou a opção oferecida pela universidade:
- A gente pensa que vai ser como o Rio de Janeiro, mas é boa a surpresa em ver que é diferente. O melhor daqui é chegar na sala de aula e encontrar, no máximo, 40, 50 alunos.
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Em uma das disciplinas que Jakob cursou na Alemanha, Jakob dividia o ambiente com cerca de mil estudantes em uma sala com capacidade para 1,1 mil. A menor classe tinha 300. Outra diferença positiva para Jakob no Brasil é a relação dos estudantes com o professor. Nas turmas em que está matriculado, surpreendeu-se com os debates que acontecem na sala de aula e da forma como os colegas tiram dúvidas: levantam a mão e pedem para falar enquanto o professor expõe a matéria:
- Não é que na Alemanha não se possa levantar a mão também, mas é que numa turma com mil estudantes, quase ninguém tem coragem de fazer isso.
A universidade em que Jakob estuda na Alemanha também é pública e garante moradia para ele. Com apoio financeiro dos pais tanto lá quanto aqui, o alemão pode se dedicar integralmente às disciplinas e achou gritante a diferença da relação que os colegas brasileiros têm com o trabalho desde cedo:
- A maioria já está trabalhando ou estagiando. Lá, procuramos um emprego depois que terminamos nossa faculdade.
Até julho, Jakob fica em Porto Alegre e divide o tempo entre aulas, futebol com os colegas e viagens nos finais de semana para conhecer o país.
A visão de um chinês
ZhengHao diz que vai sentir falta de olhar para o céu azul, impossível de ver em Pequim, e de comer feijão
Nos últimos oito meses, ZhengHao Chen aprendeu a viver. Essa é uma definição que ele mesmo dá ao tempo que está no Brasil. Aqui é chamado de André, nome ocidental que ele escolheu na primeira aula de português que teve na Universidade de Comunicação de Pequim, na China. Estudar, estudar e estudar eram as regras da família e das instituições de ensino pelas quais passou. As aulas lá começam cedo e têm dois intervalos: um para o almoço e outro ao final do dia. O terceiro turno é na biblioteca, onde todos os estudantes vão à noite para continuar estudando.
- Aqui são 20 horas de aula por semana, então tenho mais tempo livre. Viajei como nunca tinha feito. Já conheci o Rio de Janeiro, onde desfilei no Carnaval, fui a Salvador e participei de um bloco. Também fui a Minas Gerais e algumas praias do Nordeste - conta ele, que está na UFRGS desde agosto do ano passado.
Aos 15 anos, ZhengHao saiu de casa para estudar. Na escola, ele e os colegas aprenderam a falar inglês. Quando passou na seleção para a universidade e se mudou para o centro da China, escolheu o curso de Letras com habilitação em português.
A dedicação diária nos últimos dois anos tinha uma razão: já sabia, ao começar o curso, que no terceiro ano teria de fazer intercâmbio. Quis Porto Alegre porque a federal gaúcha era a única instituição que tinha vínculo com a sua universidade em Pequim.
- Escolhi o idioma quando estava lendo um livro que dizia que o português era a língua do futuro na China. Poucas pessoas são competentes em português no meu país e eu estou nesse grupo agora - afirma, orgulhoso.
Quando se formar lá, o jovem de 22 anos poderá atuar como tradutor. O curso na China habilita para essa profissão. Se quiser ser professor, terá de fazer outras especializações. Para complementar a ajuda financeira que os pais deram, encontrou em Porto Alegre mercado para ensinar sua língua de origem e hoje dá aulas particulares de mandarim, além de ser voluntário no Instituto Confúcio, também da UFRGS.
- Uma das coisas que mais me encantou aqui é que todo mundo é muito alegre, as aulas sempre são muito divertidas. Eu sou um dos orientais que mais participa das atividades. O pouco tempo de aula me assustou no início, a dedicação aos estudos lá é muito mais forte, achei que isso poderia me frustrar. O que eu sinto falta mesmo é que as minhas turmas aqui só têm estrangeiros. O único brasileiro é a professora. Se as turmas fossem mistas, poderia aprender muito mais sobre o idioma - acredita.
Bastante investimento em material de sala de aula
A estrutura também foi motivo de comparação para ZhengHao. As universidades públicas chinesas recebem bastante investimento do governo.
- Aqui é o contrário. A mesa que eu uso aqui é três vezes menor do que a que está disponível para os alunos na minha universidade. O material também é diferente, é inferior. Isso me incomodou um pouco. Mas a experiência que eu levo supera tudo - diz, com os olhos cheios dágua, já antecipando a saudade que terá de ver o céu azul - impossível, segundo ele, de ver em Pequim - e do feijão.
A visão de um americano
Estudante da Flórida, nos EUA, Yahsiel quer estender permanência no Brasil por mais um semestre
Quando Yahsiel Torres contou à família que estava inscrito em um programa de intercâmbio para o Brasil, o pai esbravejou: "você está em uma das melhores universidades dos EUA e vai estudar lá quando muitos brasileiros querem estudar aqui?". O jovem de 22 anos queria uma experiência fora do país e veio em busca de um diploma de especialização.
O americano conseguiu vaga na Universidade da Flórida porque tinha bons resultados na escola e pelas atividades extracurriculares:
- Percebi que, aqui (no Brasil), o que você faz antes da universidade não é levado em conta depois.
Pela situação financeira da família, Yahsiel conseguiu uma bolsa que cobria parte dos custos da universidade. A outra parte, a própria instituição arcou baseada no desempenho dele na escola. Se não fosse isso, ele teria de recorrer a financiamentos estudantis, ainda que sem juros.
Yahsiel tentou estudar no Rio, mas a concorrência era muito grande. Passou para a única outra cidade brasileira com vagas: Porto Alegre. Ele e uma colega dos EUA disputaram a única oportunidade aberta na PUCRS, e ele venceu porque sabia se expressar em português. A estrutura da universidade deu a ele a oportunidade de dividir estudos com um estágio no Tecnopuc.
- Nos meu país, não posso mais estudar e trabalhar porque, às vezes, tenho como metade de um livro de exercícios para fazer entre um dia e outro. Aqui, usamos mais apostilas. É mais barato, mas sinto falta dos livros mais aprofundados.
O período no Brasil termina em junho, mas ele já corre para estender a estadia por mais seis meses:
- Um semestre é muito pouco tempo para aprender bem o idioma e viver tudo o que a cultura de vocês tem a oferecer.