Quilos de fezes humanas são despejados sobre uma esteira e introduzidos em uma máquina cheia de tubos, chaminés e engrenagens. Dentro dela, o excremento é processado durante cinco minutos, até transformar-se em um líquido sem cheiro, gosto ou cor.
Na outra ponta da geringonça está Bill Gates, fundador da Microsoft, um dos homens mais ricos do mundo. Ele estende o copo diante da torneira aberta e sorve com gosto o produto feito a partir do cocô.
- É água! - exclama.
O vídeo, que o próprio Gates divulgou em seu blog na semana passada, faz parte da mais recente empreitada filantrópica do bilionário fundador da Microsoft. Por meio de sua fundação, ele financiou o desenvolvimento do OmniProcessor, um maquinário que trata dejetos humanos a baixo custo, transformando-os não só em água, mas também em energia elétrica.
O objetivo de Gates é usar a tecnologia para beneficiar populações sem acesso a saneamento. A primeira planta, idêntica à que produziu a água que ele bebeu, será colocada em funcionamento no mês que vem, em Dakar, no Senegal.
Em seu blog, Gates publicou um texto em que relatava a visita ao protótipo do OmniProcessor, nos arredores de Seattle (Estado Unidos), e explicava seu engajamento no projeto.
- A água tem um gosto tão bom quanto qualquer outra que eu tenha bebido de uma garrafa. E tendo estudado a engenharia por trás dela, eu a beberia alegremente todos os dias. Ela é segura - garantiu.
O sistema de tratamento de esgoto apoiado por Gates foi inventado e construído pela empresa Janicki Bioenergy. O processo que transforma os dejetos envolve submetê-los a altas temperaturas. Como consequência, a água presente nos excrementos evapora e é submetida a uma série de filtragens, até tornar-se potável, conforme padrões estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde. Depois da evaporação, os resíduos sólidos também são aproveitados. Sua queima produz vapor que é convertido em energia elétrica. Essa eletricidade é utilizada para alimentar o próprio funcionamento da máquina - e também pode ser direcionado para o abastecimento de comunidades.
Clique nos números para entender como funciona a máquina:
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O insólito - e, para muitos, repulsivo - investimento em um equipamento que faz água a partir de cocô tem como objetivo aliviar o problema do saneamento precário. Segundo os dados divulgados pela Fundação Bill e Melinda Gates, 2 bilhões de pessoas dependem de latrinas rudimentares. Além disso, muitas outras pessoas fazem as necessidades no ambiente. O resultado é a contaminação da água consumida por milhões de humanos. Doenças provocadas pela falta de saneamento matam 700 mil criança ao ano, sem falar no déficit em desenvolvimento físico e metal.
- Se pudermos desenvolver formas seguras e baratas para eliminar os dejetos humanos, poderemos prevenir muitas mortes e ajudar crianças a crescer sadias. Os banheiros ocidentais não são a solução, porque exigem uma infraestrutura maciça de redes de esgoto e estações de tratamento que não são factíveis em muitos países pobres - escreveu Gates.
Hoje, boa parte dos dejetos não tratados são recolhidos por caminhões. O destino é o despejo em rios e mares ou em áreas que não oferecem tratamento. Também podem ser queimados com combustíveis, mas isso envolve custos altos. O plano da Fundação Gates é que os caminhões levem as fezes a plantas desenvolvidas pela Janicki. Além de evitar a contaminação do ambiente, o procedimento driblaria o custo da queima, na medida em que as fezes se transformam na própria energia necessária para fazer a máquina funcionar.
A experiência no Senegal é um projeto piloto, com um equipamento de ambições modestas. Ele processa 12 metros cúbicos de excrementos por dia, transformando-os em 10,8 mil litros de água. Mas a próxima geração da máquina, que deve estar disponível no ano que vem, vai multiplicar esses números. Com um custo US$ 1,5 milhão, vai tratar os dejetos de 100 mil pessoas. Serão 92 metros cúbicos ao dia, que vão se transformar em 86 mil litros de água.
- Nosso plano é tornar os processadores suficientemente baratos para que empreendedores de países pobres possam investir neles e iniciar empresas de tratamento rentáveis. Se as coisas derem certo no Senegal, vamos começar a procurar parceiros nos países em desenvolvimento - anunciou Gates.
O bilionário cita a África e a Índia como beneficiários - ou vítimas - em potencial.
Da sátira ao mundo real
A proposta de reciclagem de cocô defendida por Bill Gates já foi feita antes - como farsa. Há pouco mais de uma década, o grupo de ativistas The Yes Men, conhecido por recorrer a pegadinhas como forma de conscientização, sugeriu reaproveitar as fezes humanas como comida para populações de países pobres.
Simulando ser integrantes da Organização Mundial do Comércio (OMC), eles organizaram uma conferência, registrada em um filme de sucesso, para defender como solução da fome nos países pobres a reciclagem de hambúrgueres, de forma a aproveitar os nutrientes não absorvidos pelo organismo.
O conferencista exibia uma simulação na qual os excrementos do cliente de uma lanchonete do Primeiro Mundo passavam por uma tubulação (que ele garantia ser um filtro poderoso) e viravam um novo hambúrguer, em uma lanchonete da mesma rede, em um país pobre.
- Nós somos ricos, eles são pobres. Esse é a solução mais humanitária que encontramos dentro de uma lógica de mercado - explicou o falso representante da OMC.