Cinco anos atrás, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixava o Fórum Internacional Software Livre (FISL) abraçado em uma causa que ali engatinhava e que, no mês passado, veio a efeito com a aprovação do Marco Civil da Internet. Abril foi também mês de sabermos do bug Heartbleed, brecha na segurança de dois em cada três sites. E segue exilado Edward Snowden, ex-funcionário da CIA que escancarou um vasto programa de espionagem do governo dos Estados Unidos.
É nesse contexto que ontem, ao abrir os trabalhos, o coordenador Ricardo Fritsch pôde pendurar um "histórico" para adjetivar a 15ª edição do FISL, que se estende até o sábado no Centro de Eventos da PUCRS.
- Vivemos agora a implantação do Marco Civil, vitória para a liberdade de expressão e a pesquisa, mas também importante por obrigar os governos a usar software livre, o que é significa mais transparência. O Brasil está na vanguarda mundial dessa luta, que ainda não terminou - disse Fritsch.
"Empoderar o usuário" foi o refrão mais cantado no primeiro dia do maior evento de software livre da América Latina, balizado pelo tema "Segurança e Privacidade: o software livre na luta contra a espionagem".
- A informação das pessoas se tornou um dos bens mais valiosos da internet. Tu és a mercadoria - sentenciou Deivi Kuhn, coordenador do GT Programa.
Responsável por abrir a "cryptoparty", André Bianchi apontou que o usuário precisa tomar responsabilidade diante do que decide expor na rede:
- Se você não cuida da sua informação, você está delegando poder para alguém - alertou Bianchi, emendando críticas a concessões que se deixaram ficar pelo Marco Civil, como a obrigação de reter por um ano os dados dos usuários.
O americano Seth Schoen, da Electronic Frontier Foundation, sugeriu que um desafio a ser enfrentado é unir segurança e conveniência:
- Há modelos de nuvem em que o provedor não tem acesso ao conteúdo. Mesmo assim, eu soube de uma empresa que todos os dias atendia clientes pedindo senhas esquecidas, e eles tinham de responder: "olha, a vantagem da nossa empresa é não poder acessar a sua senha " -
"Não tenho nada a esconder"
Quando espiona, o governo americano, é claro, se mete a xeretar outros governos. Daí que a premier alemã, Angela Merkel, tenha dado também a Barack Obama um tanto de austeridade, fazendo greve de sorriso. Bisbilhotada, a presidente Dilma Rousseff cancelou viagem para Washington.
Nada que tenha cativado as timelines, onde os presidentes só aparecem em versão bolada. Por que, afinal, um governo investigaria aquele inofensivo postador de memes, sem grandes culpas contra o Estado, salvo algum grito vago contra a corrupção? No FISL, não faltou réplica:
- Somos responsáveis também pelas pessoas com as quais nos comunicamos. Estamos falando dos valores que queremos preservar como sociedade. Pessoas que não se preocupam com isso estão ajudando a ampliar as fronteiras do que pode ser vigiado. O que acontece com uma sociedade onde, por padrão, todo mundo é vigiado? - questiona o consultor americano Daniel Kahn Gillmor, um dos mais antigos programadores do sistema operacional Debian.
Chefe do setor de tecnologia da TI Safe Segurança, o pesquisador carioca Jan Seidl fez coro, antes de ensinar centenas de ouvintes a se proteger, tanto quanto o possível, contra a NSA, agência nacional de segurança dos Estados Unidos:
- Você tem informações sobre todas as pessoas com as quais conversa. Você pararia alguém na rua, diria quantos filhos tem, onde eles estudam? Não se trata de conspiração, é algo real. As pessoas são alvo de competidores, haters, agências, empresas de marketing, criminosos. E o que entra na internet, não sai mais.
Os debates no FISL pesaram a gangorra do controle da informação a favor do usuário mesmo quando, na outra ponta, quem senta não é um burocrata ou um Zuckerberg, mas um programador:
- Essa é a beleza da Wikipedia. O poder do desenvolvimento está nos usuários, não nos desenvolvedores - sugeriu Arlindo da Conceição, do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Arlindo apresentou o projeto Maritaca, que se junta a diversas ferramentas que começam a tornar acessível a leigos a criação de aplicativos. Já o alemão Torsten Grote mostrou como fazer uma faxina no Android, sacando tudo o que pode vazar dados pessoais. Uma das estratégias de Grote para tornar a internet mais livre é contatar programadores de aplicativos gratuitos e perguntar por que essas ferramentas não têm código aberto.
- A resposta mais frequente, e também mais interessante, foi a de que eles tinham vergonha do código que haviam escrito! - se espanta Grote.
O FISL deve receber cerca de 8 mil pessoas até sábado, chegadas de todos os cantos do mundo. Você pode conferir parte da programação do quadro abaixo. E, se o risco de ser espionado criar anseios de vida offline, dá para jogar um fla-flu no saguão.
O QUE AINDA VAI ROLAR
A programação é extensa: mais de 400 atividades, entre oficinas, painéis, debates, um espaço hacker, o espaço educativo Paulo Freire e a RodAda Hacker (só para mulheres). Confira abaixo um pouco do que acontece até sábado ou faça o download do "FISL 15 app" na loja do Android:
Quinta-feira, 08/05
10h, sala 41A - Morreu o Movimento Software Livre no Brasil?, Alexandre Oliva, Anahuac de Paula Gil, Frederico Gonçalves Guimarães, Ricardo Panaggio, Sergio Durigan Junior
13h, sala 41C - Por uma cultura de dados abertos, Leonardo Lazarte
14h, sala 40T - Tecnologia que controla, tecnologia que liberta, Jeremie Zimmermann
17h, sala 41C - Mulheres, software livre e educação, Camila Achutti
Sexta-feira, 09/05
8h às 18h, sala 714 OF3 - Hackathon Wikipedia
11h, sala 40T - Desenvolvendo para mobile e sobrevivendo, Ophelia Van Campenhout
16h, sala 40T - Liberação de documentos, Fridrich Strba
17h, sala 41A - Update para o projeto Caua, Jon "maddog" Hall
Sábado, 10/05
9h, sala 41A - Barco Hacker: Sustentabilidade e Tecnologia Social na Amazônia, Kamila Brito
11h, sala 41C - Yocto Project, Otavio Salvador
13h às 15h, sala 701 OF1 - Oficina LibreOffice Writer, Eliane Domingos
16h, sala 40T - 20 de Linux, 30 de GNU, 45 de código aberto, Jon "maddog" Hall