No assoalho do carro, um Corsa Sedan prata meio judiado, um par de sandálias de salto anabela repousa em frente ao banco do carona. Desde que começaram as obras no Estádio Beira-Rio, há dois anos, os sapatos que a vice-presidente do Internacional, Diana Oliveira, gosta de usar não saem do carro quando ela estaciona no clube. Calças e botas são o uniforme para que possa circular por entre os trabalhadores, as máquinas, as estruturas e a poeira da construção. Mas Diana não se queixa. Aliás, não está nem aí para a elegância do calçado. A realização pessoal e profissional que conquistou ao liderar a principal empreitada do Rio Grande do Sul para receber a Copa do Mundo, em junho, compensa qualquer outro tipo de vaidade. Primeiro como integrante da Comissão de Obras do clube e, depois, como a terceira pessoa na hierarquia do Inter, a arquiteta de 36 anos realizou seu sonho. Seu e de todos os outros colorados, engenheiros, arquitetos, homens, mulheres. Aceitou um desafio gigantesco. E venceu.
Quando começaram as negociações para a reforma do Beira-Rio, Diana ainda era membro do Conselho Deliberativo do clube. Por indicação do movimento ao qual pertencia, passou a integrar a Comissão de Obras, na qual pode debruçar-se sobre os projetos e estudá-los com afinco. Em pouco tempo, conhecia não apenas os detalhes técnicos, mas as estratégias do clube com a obra e os pormenores do negócio. Quando passou a integrar a vice-presidência, a obra tornou-se a sua tarefa diária, sua responsabilidade.
- O maior desafio nem foi técnico, pois conheço os detalhes do projeto. Difícil foi lidar com a quantidade de interfaces, já que tudo precisa do aval da Fifa. A interlocução entre os envolvidos foi o mais complexo.
A formação em arquitetura, pela UFRGS, e a experiência como projetista ajudaram Diana a desempenhar a tarefa de coordenar a obra com desenvoltura. Ela admite, no entanto, que nada do que tenha feito antes - e possivelmente nenhum projeto futuro - terá a magnitude do que está vivendo agora.
- É tudo muito grande, mas também com muitos detalhes. Tem sido uma vivência muito intensa. A mais intensa de todas - admite.
Para dar conta de tudo, Diana vai ao Beira-Rio todo santo dia, preferencialmente pela manhã, enquanto os trabalhadores estão dispostos para conversar, receber instruções e trocar impressões sobre o andamento da obra. Cercada de gente a quem credita o sucesso da empreitada, apressa-se em elogiar duas outras mulheres que dividem com ela a rotina no estádio. Por desempenhar um trabalho voluntários na diretoria, Diana lembra da importância de cercar-se de profissionais competentes para a execução das demandas do dia a dia.
- Somos três mulheres na coordenação da obra. Tenho impressão de que isso trouxe uma leveza que se incorporou à rotina e que tem feito bem para todos - comenta.
A poucos dias da inauguração oficial do Beira-Rio, marcada para 5 de abril, Diana tem no peito uma mistura de nervosismo, ansiedade e uma incrível felicidade. Afinal, pode unir, como poucos, as paixões que guarda pela profissão e pelo Internacional. Misturam-se a esses sentimentos um cansaço quase opressivo, que se faz sentir de forma mais pesada nesta reta final. Foram dois anos de jornada dupla, cumprida no clube e em seu escritório particular. Agora, prepara-se para ter tempo livre de novo. O que mais quer? Voltar a ser apenas mais uma torcedora, na casa nova do Inter.
Torcedora apaixonada
Natural de Santa Cruz do Sul, Diana é filha, sobrinha, neta e irmã de colorados. Um dos irmãos é, além de torcedor, um grande estudioso do futebol. Foi com ele que aprendeu sobre a história do clube.
- Choramos abraçados no Gre-Nal do Século, em 1989 - recorda.
Quando se formou e começou a trabalhar, decidiu que faria o que sempre teve vontade na adolescência: iria ao Beira-Rio ver todos os jogos. Tornou-se sócia e, conforme prometido, não perdia um jogo. Por meio de um blog de discussões sobre o time na internet, no qual escrevia como colaboradora, conheceu um dos movimentos de torcedores. Com uma chapa nascida dentro desse movimento, passou a integrar o Conselho Deliberativo do Internacional. Não demorou muito para integrar a diretoria do clube, como vice-presidente.
:: Em vídeo, Diana comenta os desafios de atuar na enorme reforma do Beira-Rio
Em busca de leveza
O fato de ser mulher deu a Diana uma notoriedade que, certamente, o cargo não poderia conferir a um homem. Vê-la às voltas com repórteres e câmeras tem sido cena recorrente no gramado do estádio. E, durante as entrevistas, uma pergunta é infalível: "Como é ser mulher em um cargo como esse, em um universo masculino por natureza?"
- Ser mulher não me dá nenhum tipo de vantagem ou desvantagem. E a razão da minha felicidade ao final desse desafio não é uma questão de gênero. Não estou realizada porque sou mulher nessa posição, mas porque fui capaz.
Apesar disso, Diana compreende as dificuldades ainda enfrentadas por mulheres no mercado de trabalho, especialmente em ambientes em que o elemento feminino não é comum.
- Mas não quero levantar a bandeira da coitada, da mulher vítima. Fico orgulhosa, sim, por representar, de alguma forma, as mulheres, mas isso não é a razão de tudo. Quero, se puder, trazer um pouco de leveza às nossas conquistas, para que a coisa fique mais divertida.
Leveza, aliás, será algo cada vez mais presente na rotina de Diana, assim que ela der por encerrada sua tarefa no Beira-Rio. O mandato de vice-presidente termina no final do ano, e ela nem pensa em permanecer na diretoria. Acredita que deu sua contribuição ao Internacional e nem consegue dimensionar o tamanho do aprendizado que adquiriu. Mas também aposta na renovação, no poder de novas ideias para continuar o crescimento do clube que tanto ama.
Com a conclusão da obra, quer se dedicar mais aos projetos que desenvolve em seu escritório de arquitetura. Escritório, aliás, que há um ano passou a funcionar em sistema de home office.
- Tem sido maravilhoso. Com a experiência em estratégia e negócios que adquiri no Inter, consegui visualizar meu próprio negócio nesse novo formato. E tem sido muito tranquilo, muito leve.
Quer ainda descansar da rotina frenética dos últimos anos. Voltar a andar de bicicleta pelas ruas do Menino Deus, onde mora, e a praticar dança acrobática com tecidos com regularidade - hábitos que, muitas vezes, foram deixados de lado em nome de compromissos assumidos com a obra no Beira-Rio. Mais momentos livres para curtir o marido, os amigos e a família também estão na lista de prioridades de Diana no pós-obra.
O tempo dedicado aos cuidados com a beleza será o mesmo de sempre: muito pouco, quase nenhum. Rosto lavado ou com o mínimo de maquiagem, roupas confortáveis e muita água (muita mesmo) para manter a pele saudável. Depois que as preocupações em função da reforma do estádio entraram em sua vida, um novo hábito precisou ser incorporado aos cuidados com o visual: tintura para os cabelos. E só.
E, finalmente, um dos privilégios mais desejados por Diana após a conclusão de sua tarefa: voltar a frequentar o Beira-Rio como uma torcedora comum, que curte sentar na arquibancada sem rádio e nem se importa de ir aos jogos sozinha. Quer ver o Beira-Rio sediar com beleza e competência a Copa do Mundo, mas deseja mesmo é ver o Internacional conquistar novos títulos no gramado do Gigante. Afinal, foi para testemunhar a glória dos homens de chuteiras que esta mulher deixou no carro suas sandálias de salto.