Foto: Michael Lewis, The New York Times
Em Trapaça, novo filme do diretor David O. Russell, Rosalyn Rosenfeld (Jennifer Lawrence) lasca o maior beijo em Sydney Prosser (Amy Adams), uma trambiqueira que está tendo um caso com um trapaceiro (Christian Bale) que, por acaso, é seu marido. É o clímax de uma cena de troca de acusações violentas e ameaças não tão veladas - e a possibilidade de que a Máfia mate os três só esquenta ainda mais o momento. O beijo, Adams admite, foi ideia sua:
- A Rosalyn é maluca, aí foi só questão de pensar na coisa mais doida que ela poderia fazer.
A atriz levou a sugestão a Russell; Lawrence topou. Tão repentino quanto desajeitado, o gesto é, ao mesmo tempo ameaça e ataque. Se Lawrence se encarregou de dar o beijo, Adams teve que trabalhar com meia dúzia de emoções diferentes - do choque ao medo, passando pela raiva - com sua reação aparvalhada. Sua personagem já tinha passado uma noite de cão, e agora isso?
- Sydney é o ser humano mais miserável que já interpretei. Ela não é nem um pouquinho feliz. Estou acostumada a viver mulheres que, mesmo sendo sobreviventes, têm algum tipo de luz interior. Nesse caso, é um vazio total. Acho que prefiro encarnar gente feliz - brinca.
Ao lado de Jennifer Lawrence no novo "Trapaça", que estreia em fevereiro no Brasil
Os fãs da atriz sabem bem do que ela fala. Para muitos, Adams, 39 anos, será sempre a princesa de olhos arregalados que caiu na Terra em Encantada, ou a esposa tagarela e animadinha de Retrato de Família, pela qual recebeu a primeira das quatro indicações ao Oscar. Ao longo dos últimos anos, porém, ela expandiu os tipos de personagens consideravelmente, misturando luz intensa (Os Muppets, Uma Noite no Museu 2, Casa Comigo?) com doses cada vez maiores sombrias, chegando praticamente à quase escuridão. Em O Vencedor, ela encarnou uma garçonete durona o suficiente para encarar a família gananciosa e indolente do namorado boxeador (Mark Wahlberg); em O Mestre, foi a esposa dominadora e desagradável do líder de uma seita (Philip Seymour Hoffman). Mas é seu papel em Trapaça que deve ser o mais sombrio de sua carreira - mesmo que daqui a alguns meses incorpore Lois Lane pela segunda vez.
Não são muitas as estrelas que têm a chance de dar esses saltos e, se as coisas tivessem sido diferentes, se Adams fosse menos ambiciosa ou avessa a riscos, teria passado os últimos anos fazendo uma comédia romântica atrás da outra. Foi sua vontade de experimentar - e a confiança de uma lista cada vez maior de diretores que a admiram - que impediram que isso acontecesse. Se não é necessariamente o nome de maior destaque entre as atrizes de sua geração (talvez sua seriedade por trás das câmeras seja responsável por isso) nem a maior arrecadadora nas bilheterias, ainda assim se encontra em uma posição invejável, como a atriz que pode trabalhar com os Muppets em um ano e com Clint Eastwood no seguinte, ao mesmo tempo em que acumula prêmios e indicações ao Oscar.
Cantando e dançando no longa "Encantada", da Disney
Em um almoço no Polo Lounge do Beverly Hills Hotel, Adams, com o cabelo ruivo preso em um rabo de cavalo, descreve o trabalho. Percebe-se que é difícil para ela porque, embora o filme seja só para maiores de 17 anos, não gosta de falar obscenidades.
- Quero muito usar a palavra que começa com "f" nesta entrevista porque a situação dos personagens não poderia ser mais f***a.
E por que não usa?
- Acho grosseiro demais. É a minha criação mórmon. Digo no filme porque é a personagem, mas não uso aqui porque não quero que apareça impressa.
Quarta filha de uma família de sete irmãos, Adams tem o ar daquela menina que cantou no coral da escola e participou de um espetáculo beneficente em Minnesota sem nunca ter sequer sonhado com Hollywood. Ela não fala mal de ninguém, nem quando instigada, e ainda fala com carinho das pessoas que a não deixaram desistir da profissão quando foi dispensada de alguns programas e suas perspectivas não eram nada boas.
Ainda chama as pessoas de "senhor" e "senhora" e o garçom de "querido". Quando lhe faço uma pergunta, às vezes faz uma pausa tão longa para responder que tenho a impressão de que ela esqueceu o assunto, só para vê-la justificando o silêncio e respondendo tudo com detalhes.
Como uma decoradora em busca do pedido de noivado em "Casa Comigo?"
Ela quer Jessica
Depois de cumprir as turnês promocionais de seus dois últimos trabalhos, Adams voltará a encarnar Lois Lane em Batman vs. Superman. Atualmente, está fazendo a prova dos figurinos, mas não sabe quase nada da trama a não ser o que lhe conta o noivo, Darren Le Gallo, artista, ator e pai de sua filha de três anos, Aviana, pois é ele que recebe as atualizações do site oficial do filme no Facebook.
Franquias de superproduções à parte, se puder escolher seus futuros projetos, vai querer trabalhar com Jessica Chastain, a quem diz adorar.
- Quero encontrar alguma coisa em que a gente possa ser irmãs. Já sugeri tipo, eu escrevo uma cena, ela escreve outra e ficamos trocando figurinhas enquanto filmo Super-Homem.
O diretor David O. Russell diz que adoraria trabalhar com Adams de novo, talvez em algo em que ela possa explorar sua habilidade de cantora/dançarina, da qual deu uma palhinha no set de Trapaça.
- Tenho uma ideia de musical para ela, mas temos que conversar. Qualquer que seja o projeto, porém, tenho certeza de que estará à altura. A vontade tem muito a ver e isso é o que não lhe falta. É quase como se fosse uma atleta: nunca decepciona.