Uma das maiores estrelas brasileiras do século 20, Tônia Carrero morreu na noite de sábado (3/3), aos 95 anos, de uma parada cardíaca durante um procedimento cirúrgico na clínica São Vicente, no Rio. Sua brilhante carreira no teatro, iniciada no final dos anos 1940, incluiu espetáculos produzidos pelo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), pela Companhia Tônia-Celi-Autran (que criou ao lado do ator e amigo Paulo Autran e do diretor italiano Adolfo Celi, com quem foi casada) e com sua própria Companhia Tônia Carrero. Protagonizou clássicos de Shakespeare, Sartre, Pirandello e Ibsen, passando também pelo teatro de Albee, Heiner Müller e Plínio Marcos. Na televisão, participou de novelas como Água Viva (1980) e Senhora do Destino (2004). A estreia no cinema foi em 1947 com Querida Susana, de Alberto Pieralisi. Em 1952, participou de Tico-Tico no Fubá, de Adolfo Celi, e, dois anos depois, É Proibido Beijar, de Ugo Lombardi. Foram 54 peças, 19 filmes e 15 novelas.
Ao longo da vida, Tônia estabeleceu laços com figuras da cultura e da intelectualidade gaúchas. “Quem entrasse na sala da nossa casa naquele momento não acreditaria no que via”, escreveu Luis Fernando Verissimo em 2012. “Ali estava a Tônia Carrero, atriz de cinema, teatro e televisão, uma das mulheres mais admiradas do Brasil pelo talento e a beleza, de quatro sobre o tapete demonstrando um exercício para a coluna que recomendava a todos”. Para Verissimo, que escreveu a crônica em homenagem aos 90 anos da atriz, a cena resumia quem ela era: estavam lá “sua informalidade, seu cuidado com o próprio corpo e sua preocupação com os amigos – mesmo que nenhum amigo sequer tentasse imitar sua ginástica”.
A casa dos Verissimo era onde Tônia costumava se hospedar nas passagens por Porto Alegre. Era amiga de Mafalda, mulher de Erico, assim como próxima de outro notório casal da cidade, Carlos e Olga Reverbel.
– Tônia era extremamente inteligente, engraçada e irônica, principalmente em grupos pequenos, como quando estávamos só em família. Falava do passado, dos romances, dos casamentos e da vida no teatro – recorda Lucia Verissimo, mulher de Luis Fernando e nora de Mafalda. – Ela saía caminhando com dona Mafalda pela Protásio Alves. Iam no súper, na farmácia. Algumas pessoas a reconheciam, e ela fazia a maior festa. Era muito educada ao receber esse tipo de manifestação.
Lya Luft também fazia parte do círculo íntimo. Quando a escritora morou no Rio, seguidamente era convidada a passar domingos na piscina da casa da atriz. Lya é quem conta:
– Depois que o Hélio Pellegrino (escritor com quem Lya foi casada) morreu, antes de eu voltar para Porto Alegre, Tônia seguidamente ia lá em casa e me ligava para saber se eu não precisava de algo. Era uma pessoa cálida, com bom coração, uma boa amiga.
Espalhou-se entre os amigos uma deliciosa história da estada em Paris, no final dos anos 1940, aonde Tônia foi para estudar teatro. Diz-se que era de uma beleza tal a ponto de chamar atenção até mesmo nas glamourosas ruas da capital francesa.
– Lembro dos Reverbel contando sobre uma noite em que estavam em um clube, e ela ficou dançando sozinha, deixando todos boquiabertos. Paris caía aos pés de Tônia Carrero – relata Lya.
Na casa de Olga, o diretor teatral Luís Artur Nunes viu a estrela pessoalmente pela primeira vez, quando ele ainda era estudante de teatro. Foi um dos sortudos alunos do curso de arte dramática da UFRGS convidados pela professora Olga para uma recepção à atriz por ocasião de uma apresentação de Macbeth (1970) em Porto Alegre, montagem que também contava com Paulo Autran. Duas décadas depois, Tônia cumprimentava o já reconhecido diretor gaúcho no camarim após assistir à peça A Fera na Selva (1991), com Paulo Betti e Eliane Giardini. Então, veio o convite para trabalharem juntos. Em 1996, Nunes a dirigiu no espetáculo Amigos para Sempre, de tom autobiográfico, com trechos de obras de autores dos quais ela havia sido amiga, entrecortados por depoimentos memorialísticos que Nunes gravou e depois trabalhou dramaturgicamente.
– Éramos só eu e ela ensaiando na casa dela, no Rio. Uma casa maravilhosa, cheia de pinturas de artistas brasileiros que haviam feito retratos seus. E tinha um espaço onde ela ensaiava, utilizado também por outros artistas da família. Era um espaço mágico, privilegiado – recorda Luís Artur Nunes, em entrevista concedida por telefone antes de tomar um voo para acompanhar o velório da atriz, neste domingo (4/3), no Theatro Municipal do Rio (a cremação está marcada para esta segunda-feira, 5/3, à tarde).
Tônia, deixa um filho, o ator Cecil Thiré, além de netos e bisnetos.
* Com agências