A morte do escritor João Gilberto Noll, nesta quarta-feira, provocou comoção no meio literário nacional. Um dos maiores conhecedores da sua obra, o crítico literário e escritor José Castello falou a Zero Hora, por telefone, sobre a importância de Noll e a riqueza de sua escrita. Comparou-o ao argentino Ricardo Piglia, à brasileira Clarice Lispector e ao português Fernando Pessoa por sua radicalidade e relevância.
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Leia o depoimento na íntegra:
"Era o nosso maior narrador vivo, eu não tenho nenhuma dúvida. O continente perdeu seus dois maiores narradores vivos em dois meses, a Argentina perdeu o Piglia em janeiro, e o Brasil perdeu o Noll agora. A gente vive um tempo em que a literatura é vista sobretudo pelo seu aspecto comercial, é tratada como um produto, os editores se sentem no direito de retrabalhar os textos que recebem em nome da clareza, da racionalidade, do bom entendimento, da fluência. São tempos muito pragmáticos, em geral, mas que na literatura andam meio assustadores. E o Noll sempre caminhou na direção contrária da visão pragmática da literatura. A literatura para ele era uma experiência pessoal, intransferível. Ele era absolutamente intransigente em relação aos seus temas, à sua maneira direta de desvendar o real, à sua escrita clara e muitas vezes considerada chocante por muitos leitores. Mas ele era absolutamente intransigente nisso, e via a literatura como uma espécie de religião. Não era só ofício, não era só profissão, maneira 'glamurosa' de ganhar prêmio. A escrita para o Noll estava muito além disso tudo, era maneira de se reconectar com as questões mais existenciais da vida e de forma direta, bruta, quase selvagem. A literatura do Noll se caracteriza antes de tudo por uma extrema coragem existencial, ela não está para brincadeira, agarra o mundo e as palavras com as unhas, não cede ao bem escrito, ao elegante, ao bonito, ao consagrado, aos cânones. Ele segue seu caminho de forma absolutamente radical e fiel a si mesmo. É um desses raros escritores solitários que vê a literatura como uma aventura existencial, solitária, singular, inegociável, não tem nada a ver com o mercado, com modas literárias, com cânones. Ele nunca se importou com nada disso. Então ele se alinha, no meu entender, com os grandes escritores radicais que sempre viveram a literatura dessa maneira, como Clarice (Lispector), como (Fernando) Pessoa. O Noll viveu para a literatura, doou-se para a literatura. Levou inclusive uma vida difícil em vários períodos porque se recusava a pegar trabalhos banais para ficar escrevendo, mas nunca transigiu. Foi uma entrega total. Ele viveu a literatura como uma aventura existencial e isso é muito raro, muito precioso, e muito importante sobretudo nesses tempos de banalidade cada vez mais assustadora que estamos vivendo no Brasil."