Fila da merenda do Grupo Escolar Anne Frank, década de 70: Ricardo Saltz Gulko aguarda a vez de entregar a ficha mimeografada e de receber, em troca, um cachorro quente. Esperar, de fato, nunca foi o forte daquele aluno irrequieto, nascido em Uruguaiana e nem sempre entre os mais disciplinados da turma.
A paciência tem mesmo limites. Diante da falta de perspectivas profissionais no Brasil, em meio a uma das tantas crises, decidiu virar imigrante. Desembarcou em Tel Aviv, Israel, em 1988, cheio de esperanças. O começo foi desafiador. Trabalhou como garçom, faxineiro e cuidador, até conseguir um emprego em uma das maiores empresas israelenses, a Amdocs, especializada em sistemas tecnológicos de cobrança.
A partir daí, decolou. Cursou Engenharia Industrial e Informações de Sistemas. Mas faltava o grande sonho: um MBA nos EUA. Foi aceito em Kellogg, uma das mais prestigiadas universidades do mundo. Tudo certo, menos um detalhe. Ele não tinha dinheiro. Esperar? Jamais.
Ricardo foi 12 vezes a uma das agências do banco Hapoalim, em Tel Aviv, pedir um empréstimo, sistematicamente negado. Lá pelas tantas, uma das funcionárias ameaçou chamar a polícia se ele voltasse. Ele voltou, é óbvio. E protagonizou um milagre de proporções bíblicas: um financiamento de US$ 150 mil, sem ter garantias nem renda fixa.
Embarcou para os EUA e lá concluiu a sua formação. Desde então, ocupou cargos executivos e liderou projetos em gigantes como SAP, Oracle e Ericsson. Atualmente, trabalha como consultor estratégico para a Samsung. De Munique, na Alemanha, onde mora com a esposa, lidera, com a ajuda da tecnologia, uma equipe que está na Coreia. Ao longo dos anos, se especializou em experiência do consumidor, área focada em melhorar as relações dos clientes externos e dos públicos internos com as empresas. Está, de acordo com revistas e publicações, entre os 50 melhores do mundo.
Em 2020, fundou a Organização Europeia de Experiência do Consumidor, voltada a incentivar as empresas do continente a inovar e a aperfeiçoar as interfaces com seus públicos. Ricardo, porém, continua com o olhar voltado ao Brasil e a Porto Alegre, onde estão as bases do que aprendeu.
— Estudar em uma escola pública foi uma das melhores experiências da minha vida, por que foi no Anne Frank que aprendi sobre a realidade da vida, sobre capacidade de adaptação e sobre respeitar e me relacionar com pessoas diferentes — afirma.
E, sorrindo, canta, meio desafinado, mas com profundo empenho, o hino da velha escola: “O Anne Frank, é nossa casa, que nos dá luz e saber...”